terça-feira, 8 de abril de 2008

O Desenvolvimento da Indústria Têxtil e do Vestuário Europeu

O Desenvolvimento da Indústria Têxtil e do Vestuário Europeu


Em 30 de Maio do corrente ano o Comité Económico e Social Europeu aprovou o parecer INT/289 – CESE 793/2007, relativo ao mercado interno de serviços, que contem muitas questões actuais aplicáveis ao sector têxtil e do vestuário, nomeadamente:
…..
- A estabilidade social e a confiança dos consumidores são uma componente essencial da integração europeia;
….
- Mas predominam os receios: mais concorrência, piores condições de trabalho, horários de trabalho mais longos e flexíveis, agravamento dos conflitos sociais, aumento das práticas ilegais e reduções salariais. Os sistemas sociais vão confrontar-se com novas dificuldades.
....
Fiquemos por aqui nas referências a este importante parecer cujo leitura vivamente recomendo.

Na abordagem a uma panorâmica do sector importa ter presente quatro grandes vertentes:

– A utopia do consumidor bem informado.
- A exigência de elevados padrões de ética em todo o ciclo do produto.
- O respeito pelos direitos humanos universalmente consagrados.
- A necessidade duma nova ordem política, social, económica e cultural.

Relativamente à utopia do consumidor bem informado, há hoje a consciência dos percalços no caminho para se lá chegar. Em Abril último, o membro do Conselho Económico e Social Europeu, Dr. Pegado Liz, referiu que existe um paradoxo na Europa: mais informação está a ter menos protecção, já que se quer dar muita informação ao consumidor e este que se desenvencilhe.
Por outro lado, é necessário ter em linha de conta que, face à rápida evolução do conhecimento científico e à sua consagração em normas, regulamentos e codificações, não é possível que os consumidores, enquanto normais cidadãos, consigam acompanhar e assimilar toda a informação disponível e do seu interesse. Isto já era previsível há muito tempo. No ano 2000, em artigo que publiquei na revista “O Consumidor” do Instituto do Consumidor de Portugal, previ que o principal problema que se vai colocar aos consumidores no século XXI será a sua incapacidade para compreender as “novidades” que serão tantas e a tal velocidade que a capacidade humana da sua percepção será incapaz de as acompanhar, com a lucidez necessária.

Logo, não é possível alegar que o consumidor tem conhecimento, aquando da aquisição, da não conformidade ou limitações de uso de um produto, e suas consequências, sob o pretexto de que este tem a possibilidade teórica de estar informado, já que tal não conformidade ou limitações constavam dos símbolos, das instruções de uso e dos normativos aplicáveis. Dificilmente neste início do século XXI haverá um consumidor bem informado e conhecedor de toda a simbologia e total interpretação dos manuais e normas legais.

Particularmente na indústria têxtil e do vestuário, várias questões se colocam no que toca a este aspecto. Ainda recentemente a Associação Têxtil e do Vestuário de Portugal manifestou a sua preocupação relativamente ao não seguimento das regras de concorrência que se está a verificar nos mercados internacionais, incluindo no seio da U.E., além de que se torna imperioso definir claramente as regras de origem. O símbolo made in tem de constituir uma clara definição da origem do produto.
Como dificuldade adicional, não é fácil descodificar os símbolos (são pequenos e alguns muito parecidos entre si, apesar de essenciais para não se cometer erros e não se estragar o vestuário), além de que só os conhecedores envolvidos no processo produtivo sabem quais as matérias-primas empregues, as suas limitações e consequências.
Neste sentido deve ser melhorada e continuada a menção de todos os elementos que possam facultar uma percepção mais aprofundada das características, composição e efeitos dos constituintes que integram os produtos têxteis e do vestuário.
Por outro lado, torna-se necessário aprofundar o conhecimento científico de todos os materiais e processos empregues neste sector produtivo. Este aspecto assume particular relevância numa altura em que se assiste ao desenvolvimento de novas matérias-primas, fruto do desenvolvimento científico e tecnológico (como é a utilização das nanotecnologias e das biotecnologias), não havendo ainda um completo conhecimento das implicações que tais materiais possam vir a ter na saúde e os seus custos ambientais. Não se trata de querer travar a inovação e a incorporação de novas técnicas e materiais, mas sim fazer com que a investigação desses novos produtos seja acompanhada da investigação total das implicações para a saúde e ambiente, observando, por ex: o catálogo de critérios da Oeko-Tex.
Neste caminho a seguir para proporcionar aos consumidores a melhoria da qualidade dos produtos têxteis e do vestuário, importa que as novas técnicas e materiais possibilitem, por exemplo, um melhor comportamento à rotura e ao alongamento, uma maior resistência à abrasão, assim como uma maior atenção às variações dimensionais na lavagem e secagem e na estabilidade das cores. É necessário o estabelecimento de parâmetros para todas as características dos materiais empregues na confecção dum produto, cujo conhecimento deve ser possibilitado ao consumidor.
Mas importa ter claro que a disponibilização da informação, que deve ser efectuada o mais amplamente possível, não implica que o consumidor tenha a capacidade de assimilar essa informação sem apoio técnico adequado, não se lhe podendo, por tal facto, diminuir os seus direitos em caso de não conformidade dos produtos.
A melhor garantia duma boa conformidade de um produto assenta na segunda vertente atrás referida: “A exigência de elevados padrões de ética em todo o ciclo do produto”.
É imprescindível que se passe a considerar uma partilha de responsabilidades na análise às especificidades de um produto, tendo de haver em cada participante no ciclo do produto a consciência de que não pode beneficiar do desconhecimento dos outros para introduzir componentes que não são os mais aconselhados.
O produtor não deve usar matérias-primas e subsidiárias (fios, corantes, adereços, etc…) que tenham alguma contra-indicação (como por ex: formaldeído, certos polímeros ou metais pesados, que possam causar doenças, alergias ou irritação na pele) ainda que isso o obrigue a acréscimo de custos.
O comerciante deve conhecer todas as regras de conformidade dos produtos que comercializa e a sua composição, fazendo notar ao produtor e ao consumidor as menos valias detectadas.
O consumidor deve procurar a maior informação possível antes do acto da compra.
As entidades fiscalizadoras devem assegurar o correcto cumprimento das instruções de uso e etiquetagem dos produtos.
Se isto acontecer a conflituosidade diminuiu e aumenta a confiança nos agentes produtivos e de comercialização.
Por outro lado, importa ter presente que a especulação e as elevadas margens de comercialização frequentemente existentes, são factores que não respeitam os padrões de ética a que todos devemos estar subordinados.

A questão da exigência de elevados padrões de ética em todo o ciclo do produto liga-se, também, com a terceira vertente: “Respeito pelos direitos humanos universalmente consagrados”. Importa lembrar que os grandes referenciais internacionais de direitos humanos, de que todos os estados da União Europeia são Estado-Parte, consagram o direito a uma remuneração justa e o acesso a mecanismos de protecção na saúde e de segurança social dignos, a um horário de trabalho que permita um são convívio familiar e o acesso à cultura e ao lazer, à necessidade do cumprimento das normas ambientais e do respeito pela natureza, enfim à construção de bases civilizacionais que permitam a realização como seres humanos a todos os consumidores e participantes no processo produtivo.
E isto não se aplica somente aos cidadãos da União Europeia, mas deve ser aplicado a toda a Humanidade, ainda que vá obrigar a uma diferente política de preços.

O consumidor não pode exigir o melhor produto ao mais baixo preço sem que estejam respeitados todos os direitos de cidadania dos participantes no ciclo do produto.
Se o preço tem de ser mais alto para que se respeitam os valores de cidadania então que o seja. Os preços baixos não podem ser obtidos à custa do aviltamento da dignidade humana.

A própria Comissão Europeia, no seu relatório intercalar dirigido ao Conselho Europeu da Primavera de 2007 - COM(2007) 60 final, de 21.02.2007, - refere:
“…4 – Conclusão …
O mercado único é um meio para orientar o crescimento económico e para construir uma Europa competitiva e aberta, uma Europa de mercados dinâmicos e de relações comerciais sãs, que possa garantir a solidariedade, o pleno emprego, o acesso universal aos serviços de interesse geral, um nível elevado de normas sociais e ambientais e níveis elevados de investimento na investigação e educação … ….”
Todos sabemos que, infelizmente, no sector têxtil e do vestuário há um grande trabalho a fazer nesta área, numa situação que foi agravada com a abertura de mercados sem cuidar da forma como se desenvolve o processo produtivo em muitos países.
O consumo ético tem de fazer levantar bem alto a sua bandeira e os nossos dirigentes políticos e empresariais têm de ter presente que os negócios não são louváveis se forem feitos à custa da dignidade dos seres humanos e de agressões ao meio ambiente.
As opções dos consumidores no acto da compra não podem ser somente determinadas pela qualidade do produto e pelo preço, mas têm de ter em conta os outros factores humanos e ambientais presentes no ciclo do produto.

Este quadro de referências necessárias à construção sadia dum espaço para o sector têxtil e do vestuário parece não caber na actual ordem mundial.
Neste sentido aponta a quarta vertente “Necessidade duma nova ordem política, económica, social e cultural”.
Tal tem sido apontado por várias grandes figuras mundiais, após a tomada de consciência de já não se conseguirem soluções para os problemas deste tempo, na actual ordem.
Só uma nova ordem pode inverter a dinâmica crescente que se está a instalar na consciência dos consumidores em particular, e dos cidadãos em geral, no sentido de que o poder político é autista e de que as estruturas da União Europeia funcionam numa redoma que não se deixa penetrar pela opinião das pessoas. É o direito à liberdade de escolha do modo de vida que começa a estar em questão.

Paralelamente, assiste-se a um aumento de medidas repressivas, não tendo em conta o ensinamento histórico-filosófico de que nunca foi a repressão que mudou o querer das pessoas. O modelo repressivo é ineficaz e, também aqui, os consumidores não devem apelar à repressão como a principal forma de verem garantidos os seus direitos, mas sim, como atrás se disse, ao exercício duma elevada ética de comportamento de todos os que intervêm no ciclo do produto.

É preocupante a passividade dos dirigentes perante a conhecida percepção, cada vez mais alargada, das dúvidas dos cidadãos de que muitas das recomendações de acções como esta possam vir a ser tomadas em conta nas decisões políticas da União Europeia, não se reconhecendo sinceridade a grandes propósitos que se proclamam, tais como os atrás referidos no relatório intercalar da Comissão Europeia.
As questões técnicas e políticas aqui abordadas podem vir a ser incorporadas nas políticas comunitárias, mas somente quando não colidirem com os grandes interesses que movem as actuais direcções políticas.
Não está em causa o esforço humano das pessoas que participam em acções como esta, de todos os que aqui estão presentes e dos intérpretes que nas cabinas desempenham um trabalho crucial para o bom entendimento das intervenções. Todas estas pessoas fazem grandes deslocações e alteram ritmos de vida e de convívio familiar, sendo por isso credoras de reconhecimento.
Mas temos a convicção de que os grandes interesses, económico-financeiros e em redor do exercício do poder político, é que determinam as políticas a serem seguidas e não o respeito pelo ambiente e pelos direitos humanos, dos consumidores em particular e dos cidadãos em geral, apesar de se consumirem meios significativos em acções relevantes, como esta, mas de pouca ou nula eficácia.

A poetisa portuguesa, falecida há poucos anos, Sofia de Melo Breyner Andresen, já constatava isto quando disse num dos seus poemas:

“ A civilização em que estamos é tão errada
Que nela o pensamento se desligou da mão”.

Temos de mudar de caminho.

Outubro de 2007

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