segunda-feira, 14 de abril de 2008

Deixem os voluntários serem voluntários

DEIXEM OS VOLUNTÁRIOS SEREM ... VOLUNTÁRIOS!

Face à incapacidade, desde sempre demonstrada, das estruturas do Estado em responderem às necessidades e interesses dos cidadãos, tem-se vindo a assistir, nomeadamente a partir da segunda metade do século XX, ao surgimento das chamadas organizações de voluntários, que procuram colmatar as lacunas não preenchidas pelas instâncias oficiais ou exercem pressão para que os governantes cumpram os direitos de cidadania a que estão obrigados, quer sejam os direitos civis e políticos, quer sejam os sociais, económicos ou culturais.

Disso são exemplo as associações de defesa dos consumidores, as organizações de direitos humanos, do ambiente, de assistência social, de cuidados médicos, de minorias étnicas, etc... .

O aparecimento e desenvolvimento de tais associações pautou-se, até há relativamente poucos anos, pela defesa da sua independência, isenção e imparcialidade face a quaisquer tipo de poderes políticos ou económicos, já que a defesa dos princípios que as norteavam não podia conter o germen da suspeição que as dependências arrastam. Os seus membros e, nomeadamente, os seus dirigentes, exibiam uma elevada postura ética e de desinteresse pessoal por quaisquer benesses que os cargos poderiam proporcionar, fazendo gala do espírito de voluntariado gracioso que a sua acção comportava. Este perfil dotou essas organizações de pergaminhos de respeitabilidade, credibilidade, generosidade e altruísmo.

Infelizmente, desde há alguns anos, o poder político, apercebendo-se da importância dessas organizações na formação da opinião pública, intentou uma estratégia de infiltração e conquista que tem conseguido fazer com que, hoje, a maioria dessas organizações mais não sejam do que braços camuflados desse poder político, minando a sua independência económica com subsídios, convites “generosos” para colaboração, doações envenenadas, gratificações, etc..., não sendo mais os seus dirigentes os verdadeiros voluntários mas sim mercenários ou, no mínimo, profissionais do voluntariado, que se aproveitam do prestígio das organizações para interesse pessoal, barrando o caminho aos verdadeiros voluntários que, neste época mercantilista, já têm o seu poder de defesa debilitado.

Perante tal estado de coisas só resta exigir que o poder político deixe as chamadas organizações não governamentais em paz, não as infiltrando nem utilizando artimanhas para as trazer para a sua órbita. Estas organizações são necessárias se forem independentes, imparciais, isentas e voluntárias. Os voluntários exercem a sua acção pelo gosto da defesa das suas convicções, pela prática da solidariedade, por darem de si sem pensarem em si.

Deixem os voluntários serem voluntários!

Chás e sua indicações

Chás e suas Indicações


Abortivo -Atanásia

Aftas - Azeda

Amigladites - Ananás

Analgésicos - Alface; alfazema; alecrim

Bronquite- Carqueja; Alfazema; Cidreira; Poejo

Cálculos renais - Papa de milho; Raiz de salsa; Urze; Erva-de-São-Roberto

Calmantes - Camomila;Alface; Menta; Cidreira; Poejo; Alfazema; Lúcia-lima; Verbena; Hipericão

Cólicas intestinais - Hortelã ; Anis

Cravos e espinhas - Ananás

Diarreia - Salva; Malva; Segurelha

Digestivos -Endro; Lúcia-lima; Orégão; Salsa; Cidreira; Funcho; Hortelã verde;Cominhos;
Coentro;Salva; Poejo

Diuréticos - Centáurea; Chá verde; Tília; Rosmaninho; Urze; Borragem; Erva-de-São-Roberto

Dores de cabeça- Alfazema; Cidreira

Dores menstruais- Atanásia; Poejo

Excitantes - Orégão; Tomilho; Malagueta

Febre - Tília; Cidreira; Orégão

Feridas, queimaduras e doenças da pele - Calêndula; Arnica; Camomila; Malva; Rosmaninho

Fígado, vesícula - Hipericão; Alecrim; Tília

Gripe e constipações- Orégão;Alfazema; Carqueja; Cidreira; Poejo

Hemorragias nasais - Erva-de-São-Roberto

Hemorróidas - Dente de Leão ; Bardana

Inflamações da boca e garganta - Salva; Camomila; Malva

Mau Hálito - Eucalipto ; Alecrim; Lúcia-lima

Náuseas - Rosmaninho

Olhos - Centáurea

Prisão de ventre - Manjerico; Cebolinho; Malva; Borragem

Profilaxia cardíaca - Chá verde

Próstata - Urze

Reumatismo e artrose - Mostarda negra; Alfazema

Rins - Hipericão; Urze; Borragem; Erva-de-São-Roberto

Sedativos - Papoila; Camomila; Tília

Tosse - Orégão; Carqueja; Alfazema; Borragem

Vias respiratórias - Manjerona; Chá verde; Camomila; Anis; Tomilho; Carqueja

Que água beber?

Que Água Beber?

Alguns Contributos

Sendo a água o elemento físico mais abundante da natureza, e aquele com que os seres vivos mais contactam, quer como fonte de alimento, quer como agente utilitário nos mais variados fins, ainda são pouco conhecidas e divulgadas as características da água com as suas diferentes composições e apresentações comerciais. Acresce ainda o seu carácter de elemento imprescindível aos seres humanos, o que deveria suscitar da parte destes um interesse acrescido em saberem o que bebem.
Ouvimos, quase sempre, nos estabelecimentos de venda e consumo, ser pedido “uma água sem gás” ou “ uma água gaseificada”, sem serem tidas em conta as enormes diferenças entre as composições das águas que se encontram no mercado. Por outro lado, assiste-se a uma quase repugnância, ou a uma assumpção do estado de indigência económica, quando se é confrontado com o consumo, para beber, da água da rede pública de fornecimento, quando, na generalidade dos casos, esta tem características mais recomendáveis para a saúde do que muitas águas comercializadas com marcas sonantes que as impõem quase como remédio. Também aqui, a ignorância, a comodidade de não querer gastar tempo em saber, a cedência à força do marketing, a teimosia em não abdicar de ideias feitas ou de sabores viciados, leva a que os consumidores gastem mais dinheiro com água sem conhecerem as suas características e efeitos.
Ora vejamos apenas alguns desses aspectos a que deveríamos estar atentos.
Todas as águas existentes no mercado, quer as fornecidas pelos serviços públicos, quer as vendidas nas superfícies comerciais, contêm, na sua constituição, mais do que aquilo que é a água quimicamente pura – H2O. Por isso, é legalmente obrigatória a informação, por edital, divulgação na Internet, no recibo mensal ou no rótulo das embalagens, dos valores de certos teores de elementos que se encontram na água.
O Dec. Lei 243/2001 (que, eventualmente, poderá sofrer alterações em consequência da aprovação pelo Governo da proposta da nova Lei da Água e que vai ser apreciada pela Assembleia da República), transpõe para o direito interno a Directiva Comunitária nº 98/83/CE e define os parâmetros microbiológicos, químicos e indicadores dentro dos quais se devem encontrar esses elementos.
Um dos elementos identificadores da água é o índice de acidez (ph). Trata-se da caracterização, ácida, alcalina ou neutra da água. Os valores inferiores a 7 indicam que a água é ácida e os compreendidos entre 7 e 14 indicam que a água é alcalina. O valor 7 indica que é neutra.
Todos já tivemos a percepção deste sabor ácido ou alcalino da água, que, além do sabor, pode afectar a saúde. Os valores paramétricos definidos no diploma legal acima citado indicam que o ph da água para consumo humano deve situar-se entre 6,5 e 9. Duma amostragem efectuada entre 20 fornecedores do sistema de abastecimento público e 20 marcas de água engarrafada mostra-se que todas as águas de abastecimento público se encontram dentro destes valores enquanto nas águas engarrafadas à venda nas superfícies comerciais o valor era inferior em 15 marcas. É certo que o diploma legal admite em nota de rodapé, sem justificação científica, que “ Para água sem gás contida em garrafas ou outros recipientes o valor mínimo do ph pode ser reduzido para 4,5 unidades”, pelo que não se pode falar em ilegalidade mas em valor abaixo do valor paramétrico estipulado como regra.
Um outro elemento importante presente de forma desigual em todas as águas é o sódio (Na). Como todos sabemos, o sódio é um elemento necessário para um bom equilíbrio fisiológico mas o seu excesso pode danificar os rins e incrementa as possibilidades de hipertensão arterial. Na amostragem feita em fornecedores do sistema de abastecimento público encontraram-se valores situados entre 10 e 20 mg/l e nas águas engarrafadas entre 3,4 e 644 mg/l. O valor paramétrico definido no diploma legal citado é de 200 mg/l.
Também existe uma sensibilidade fácil para uma outra característica da água que é a sua dureza, apesar deste valor não ter consagração legal como valor paramétrico. Um mineral que especialmente contribui para a dureza da água é o cálcio, sendo a dureza medida em miligramas de carbonato de cálcio por litro de água. Quando uma água contém menos de 75 mg/l considera-se macia, entre 76 e 150 mg/l considera-se moderadamente dura, e com mais de 150 mg/l considera-se uma água dura. Por outro lado, o cálcio é importante como elemento constituinte do esqueleto humano e dos dentes, sendo a sua deficiência a causa da osteoporose. Os valores ideais de cálcio devem situar-se entre 20 e 50 mg/l. Os valores encontrados nas águas observadas variam entre 0,34 e 133 mg/l .
Outros elementos existentes na água que bebemos podem trazer implicações sérias para a saúde. O alumínio e o mercúrio são os mais falados e de que, infelizmente, vários casos mortais têm vindo ao conhecimento público. Mas, também, são importantes o Potássio (ajuda a prevenir os acidentes vasculares e a diminuir a tensão arterial), o Cloro ( os valores encontrados variam entre 2,1 e 234 mg/l, sendo o valor paramétrico de cloretos de 250 mg/l Cl), o Cádmio, os Fluoretos, etc… .
E tudo isto sem falar numa situação, infelizmente, frequente, que é o da contaminação microbiológica ou da polémica ainda não cientificamente clarificada nas implicações para a saúde das águas desmineralizadas.
Sendo assim, importa que façamos a escolha da água que melhor características tem para a nossa saúde, tendo em conta que, muitas vezes, temos à nossa mão água mais barata, acessível e com boas características, não sendo necessário gastar mais dinheiro com águas que, nem sempre, são melhores.
E porque não damos mais atenção à água que bebemos?

Julho de 2006

A Cerâmica do Douro e a sua história

A Cerâmica do Douro e a sua História

Capítulo I - A génese

1 - Introdução

O nascimento da Cerâmica do Douro, cuja escritura pública teve lugar a 3 de Abril de 1989, foi fortemente influenciado pela experiência do seu fundador em quatro centros cerâmicos (Vista Alegre, Maia, Caldas da Rainha e Viana do Castelo), assim como pela sua constatação da deslizante agonia em que vivia (e ainda vive) a cerâmica tradicional. Esta agonia, comum, infelizmente, a outras actividades tradicionais portuguesas, era (e ainda é) determinada pelo crescente economicismo vigente no modelo político-económico-social, em que o factor preço se sobrepõe a critérios históricos, culturais e tradicionais, como, também, pela inexistência dum sentir forte de defesa de valores que não os do mero utilitarismo falsamente barato.
Estávamos no início do processo de integração de Portugal na, altura denominada, Comunidade Económica Europeia (CEE) com a perspectiva de que vinha perto o "tempo das vacas gordas" e isto poderia criar alguma apetência para outros valores além do utilitarismo.

2 - Opções, Fundamentos e Fecundação

Na concepção do projecto algumas premissas tiveram logo de ser assumidas:

- Suporte matérico dos mais evoluídos técnicamente (porcelana);
- Utilização, o mais possível, de decoração por debaixo do vidrado;
- Modelos e decorações fortemente enraizados na cerâmica tradicional e nos seus valores
histórico-culturais;
- Decoração totalmente pintada à mão.

A opção por estas premissas deveu-se a:

- O suporte matérico nas peças foi sempre, ao longo do tempo, o melhor de que se dispunha, tendo em conta o conhecimento científico e a disponibilidade de matérias primas. Desde os simples barros, tais quais eram extraídos da natureza, nos primórdios da civilização, passando por barros mais elaborados na idade média e por faianças na idade moderna, até que, no final do século XX, com o domínio técnico existente, qualquer ideia de qualidade na cerâmica doméstica e decorativa tem que utilizar a porcelana como suporte matérico. A porosidade existente na faiança, por ex., além de ter inconvenientes para a saúde quando em utilizações com alimentos, provoca o aparecimento de fendilhado e delimita o seu campo de aplicação a ambientes não muito húmidos nem com grandes amplitudes térmicas, assim como não resiste a grandes solicitações mecânicas. A talhe de foice convém referir que a porcelana é um material cerâmico, como a faiança, o barro cozido, o grés e até o vidro, já que cerâmica é todo o produto que resulta da transformação irreversível de matérias primas naturais por acção de calor.
- A escolha da decoração por debaixo do vidrado, sempre que possível, teve por base o conhecimento, hoje existente, da fragilidade das decorações por cima do vidrado, nalgumas situações frequentes nos dias de hoje mas inexistentes no passado, como por ex: máquinas de lavar louça, fornos micro-ondas, detergentes e esfregões de alto teor abrasivo, etc, assim como o conhecimento dos inconvenientes existentes para a saúde pelo contacto directo dos produtos alimentares com os óxidos metálicos que compõem as tintas usadas nas decorações. Exceptua-se desta opção as decorações com ouro, já que não existe, ainda, o conhecimento científico que permita cozer, por debaixo do vidrado da porcelana, qualquer tipo de ouro, prata ou platina. Acresce a isto que as decorações por debaixo do vidrado, denominadas de "grande fogo", apresentam uma profundidade de leitura e um esbatimento de limites que as tornam mais atraentes. A utilização do ouro nalgumas decorações insere-se na lógica da tradição, já que o ouro representa, no final do século XX, um valor cultural alargado e não só de elites como nos séculos passados. No entanto, já no passado se verificaram aplicações de ouro o que mostra interesse na sua utilização, mas o pouco conhecimento científico não permitia a sua utilização com a qualidade e resistência que hoje se verifica.
- O enveredar pelo caminho da cerâmica tradicional tem a ver com o sentir de que as tradições são património que não deve ser desperdiçado ou menosprezado. Antes pelo contrário, é dever de todos honrar o legado dos antepassados e, neste campo, Portugal e, particularmente, a região Porto-Gaia, com as suas mais de duas dezenas de fábricas, sem contar com as fábricas de cerâmica de construção, sómente nos séculos XVIII e XIX, herdaram um valioso património cerâmico, com uma forte carga histórico-cultural que será “criminoso” olvidar e não lhe dar continuidade.
- A escolha da pintura completamente à mão de todas as peças teve em vista, por um lado, a valorização individual das peças e por outro a formação de recursos humanos de elevada qualificação, que é um imperativo para quem, neste final do século XX, pretende ser mais do que um elo numa cadeia despersonalizada.

Estas opções resultaram das trocas de impressões com o amigo e companheiro, Professor Escultor Laureano Ribatua, quando fazíamos as viagens conjuntas para dar apoio à Louça Regional de Viana do Castelo, e cuja dedicação à Cerâmica do Douro tem sido essencial para esta caminhada, tornando-o credor de respeito, simpatia e amizade que todos na Cerâmica do Douro sempre lhe dedicaram.

O arranque foi feito com as singularidades e características próprias. Definidos os integrantes do pacto social da Cerâmica do Douro, este seu fundador (com o apoio de sua mulher D.Maria de Lurdes) e a sua filha Drª. Ana Cristina Novais Almeida dos Santos Sousa, houve que traçar o quadro humano de partida, já que as opções de produto estavam feitas. Para a área fabril de olaria e pintura foi feito o desafio a uma, na altura, promissora aprendiz de pintura de Viana do Castelo, D. Glória Felgueiras. Desafio aceite, créditos confirmados, pilar construído. Para o gesso, e com a ajuda do amigo e colega Vaz dos Santos, foi integrado, inicialmente em part-time, o modelador Sr. Domingos Gouveia. Para a recolha e criação de modelos e decorações contamos com a preciosa colaboração da Sra. Professora Escultora Gabriela Couto. Estava definido o quadro de partida.

Paralelamente, foi-se desenvolvendo o suporte económico-financeiro e escolha das infraestruturas produtivas. Enquanto este último aspecto foi facilmente enquadrável, o apoio externo económico-financeiro foi difícil, dificuldade esta que se tem reflectido até aos dias de hoje.

Não sendo a cerâmica tradicional um sector gerador de mais valias financeiras rápidas e volumosas, adivinha-se quantas portas se fecharam no apoio à concretização do projecto. Desde a banca privada a investidores particulares, numerosas foram as dúvidas à mera hipótese da ideia nascer, quanto mais de ela viver, por pouco tempo que fosse. Ou porque a tradição estava morta e a cultura não vende, ou porque o mercado só aceitava estes produtos desde que fossem baratos, etc, etc, etc..., o projecto só obteve apoio das seguintes portas a quem se bateu:

- Instituto de Emprego e Formação Profissional (D. Maria Amélia Traça, Dr. Abílio Rocha e Dr.
João Marques).
- Secretário de Estado de Emprego e Formação Profissional (Dr. Bagão Félix).
- Caixa Geral de Depósitos (Dr. João Taborda, Dr. Pereira da Silva e Dr. Bessa Monteiro).
- Sr. Jorge Araújo (Aniporto).
- Dr. António Vilar (Fórum Portucalense).
- Câmara Municipal de V.N.Gaia (Sr. Presidente Heitor Carvalheiras e Dr. Barbosa da Costa)
- IAPMEI (Engº Silva Pinto)

Estando encontrado o apoio suficiente para o arranque, constituiu-se a sociedade. Dois sócios, como atrás é referido, com o capital social de 12.000.000$00, com metade realizado em situação precária (Que o diga a D. Fernanda Ribeiro e a D. Manuela Coutinho a quem a Cerâmica do Douro muito deve), mas ainda sem instalações, equipamentos ou mostruário. Só uma ideia, numa sociedade juridicamente constituída e um conjunto de pessoas empenhadas em empurrar o “barco”.

A talhe de foice fica um aspecto curioso de como o nome “Cerâmica do Douro” apareceu. Como o fundador da empresa tinha sido co-fundador das “Porcelanas da Maia”, pensou, inicialmente, usar a denominação “Porcelanas do Douro”. Porcelanas por ser a pasta de cerâmica a ser utilizada e Douro por ser o berço da região Porto-Gaia onde se ia buscar a identidade tradicional. Trocando impressões com o amigo Dr. Morais Cabral, na altura director do Crédito Predial Português, um conhecedor da matéria, foi por este sugerido que o nome Porcelanas do Douro era demasiado técnico e pouco abrangente, tendo em conta os aspectos culturais e tradicionais a abarcar, até porque, no passado, a cerâmica tradicional era em faiança por não se saber fabricar porcelana. Por conseguinte, ainda que o produto a fabricar fosse em porcelana, a designação “Cerâmica do Douro” corresponderia melhor aos objectivos. E aqui está!

3 - A Nascença

Fecundada a ideia, tendo pais, padrinhos, nome e até algum futuro já delineado, houve que arranjar berço, roupas, alimentos e as condições necessárias para não morrer à nascença ou nos primeiros tempos de vida.
As instalações, que constituiram o berço, foram encontradas no aproveitamento duma pequena fábrica de confecções que se transferiu para outra zona. Com uma dimensão adequada ao arranque do perfil duma fábrica-atelier, foi utilizada a partir de Janeiro de 1990.
Os equipamentos (as roupas) foram seleccionados tendo em conta o objectivo definido. porcelana de alta qualidade pintada à mão, sem recurso a processos de produção intensiva. Assim sendo, quer as máquinas de preparação da pasta, quer os fornos e outros equipamentos, tiveram de responder a esses requisitos.
Os recursos humanos e de natureza financeira (os alimentos), tiveram, necessariamente, tratamento diferenciado. Os recursos humanos, além do já referido relativamente aqueles que foram o motor de arranque, tiveram o seu suporte, nos anos iniciais, nos apoios do programa IJOVIP do Instituto de Emprego e Formação Profissional, vindo, posteriormente, a serem seleccionados caso a caso por contratação directa. Têm sido o melhor e o mais generoso capital.
Os recursos financeiros, para o financiamento do investimento, foram conseguidos através de empréstimos do Instituto de Emprego e Formação Profissional e da Caixa Geral de Depósitos. É de relevar a resposta positiva destas entidades, o que demonstra a sua crença na aposta em projectos com componente de risco, inaceitável por aqueles que só se interessam pela rentabilidade segura dos capitais.

Mais tarde, foi o capital social aumentado com a entrada da empresa Norgrupo. No entanto, esta associação não resultou, pelo que a Norgrupo saiu, vendendo a sua posição de capital, seis meses depois.

Após a nascença, houve que prover ao desenvolvimento. É o que a seguir se verá.



Capítulo II - As raízes histórico-culturais


Perde-se na origem dos tempos o primeiro contacto entre o Homem e aquilo que hoje se designa por “Cerâmica”.
A própria definição do que é um produto cerâmico (tudo o que resulta da transformação irreversível de matérias-primas naturais por acção do calor) evidencia, desde logo, que os elementos necessários à obtenção duma peça de cerâmica, como sejam os minerais e o fogo, coexistem com o Homem desde o seu aparecimento à face da Terra. Não é por acaso que em qualquer escavação arqueológica aparecem sempre fragmentos de peças cerâmicas, independentemente da época dos achados.
Começaram por ser simples barros, tais quais se encontram na Natureza. O conhecimento das propriedades diferenciadas dos diversos barros fez evoluir o suporte matérico para uma mistura de barros, possibilitando a obtenção de peças com uma maior variedade de formas e de sentido estético. Nos séculos mais recentes, o conhecimento cientifico possibilitou um salto enorme na qualidade dos pro­dutos cerâmicos, já que da mistura de barros se saltou para a faiança, para o grés e para a porcelana. A par da evolução das formas foi-se, também, aprimorando o aspecto cromático. Aquilo que na Antiguidade eram desenhos simples, possibilitados pelo conhecimento técnico escasso, tornou-se hoje no principal elemento influenciador quando se aprecia uma peça cerâmica: a decoração. Constituídos, essencialmente, por óxidos metálicos, existentes nos minerais, as tintas e corantes, de que dispomos neste final do século XX, possibilitam já a obtenção de quase todo o espectro cromatológico, dando a uma peça cerâmica a beleza resultante da fusão dos seus dois elementos consti­tuintes: forma e decoração.
Aquilo que no passado tinha uma função exclusivamente utilitária tem hoje um espaço que cobre praticamente todas as actividades humanas.

Em Portugal, a tradição cerâmica encontra-se profundamente enraizada no passado. Os seus valores culturais, nas sua formas e decorações, encontram-se expressos nas peças produzidas nomeadamente nos séculos XVIII e XIX. Certo é que se tem assistido a um esbatimento da noção dessa importância, pelo que se exige o reavivar na memória colectiva dum património cuja preservação importa cultivar. Não o reavivar pela simples cópia, mas sim com o respeito pelos valores essenciais acrescidos dos novos valo­res que a todo o momento se vão impondo. A cultura não é só museológica, mas sim passado e presente.
A região Porto - Gaia foi, até meados deste século, tradicionalmente rica em cerâmica doméstica e decorativa, tendo sido o rio Douro um importante apoio ao seu desenvolvimento.
Bastará lembrar as fábricas de Massarelos, Miragaia, Cavaquinho, Santo António de Vale da Piedade, Devezas, etc......, que desde o século XVIII mantiveram lugar destacado e cimeiro na cerâmica decorativa portuguesa.
Infelizmente, nenhuma destas unidades fabris sobreviveu, deixando em risco de extinção uma actividade de características culturais bem marcantes e enraizadas nas tradições e história desta região. A sua relevância mereceu a atenção de muitos estudiosos, de que o trabalho de Pedro Vitorino “Cerâmica Portuense”, publicado em 1930, merece particular destaque. Infelizmente, depois de 1930, raros são os trabalhos sistemáticos sobre a cerâmica desta região, sendo, todavia, de destacar algumas contribuições particulares que têm sido publicadas e que serão de grande utilidade para o estudo exaustivo deste sector de actividade.
No entanto, a grande expressão, deixada sob diversos valores, permite dar continuidade a esta tradição, já que os valores estéticos subjacentes ao sector da cerâmica doméstica e decorativa (forma e decoração) são bem claros naquilo que se pode chamar valores identificativos: formas simples e funcionais decoradas com motivos expressivos que coabitam com grandes espaços nus.

Importa, agora, reavivar na memória colectiva a noção da importância da cerâmica no contexto da região e do País. É que ainda há cem anos este sector de actividade, com mais de vinte fábricas de média e grande dimensão, representava a região como a mais importante do país.

Em cem anos, não só se perdeu a noção da importância deste sector de actividade, com as suas características de marcado cunho histórico-cultural, a que artistas tão bem conhecidos como Teixeira Lopes e Soares dos Reis deram uma profunda colaboração, como se esbateu e quase desapareceu a continuidade duma tradição, mesmo na componente humana indispensável á sua continuação.
A iniciativa agora existente, corporizada na “Cerâmica do Douro”, contem valores necessários ao reavivar das tradições cerâmicas da região.
O cuidado na fidelidade à continuidade, pelo que pressupõe de actualização, tendo em conta os novos conhecimentos tecnológicos e a consideração dos valores culturais como dinâmicos, garante que, se a comunidade assumir as responsabilidades de apoio e acarinhamento, poderemos voltar a contar com uma riqueza de que a região se orgulha.


Capítulo III - A Cerâmica do Douro na Comunidade

1 - A sensibilização

Pode-se dizer que a inserção na comunidade está condicionada pela sensibilidade desta aos valores já referidos, assim como ao carácter efémero ou perene dessa sensibilidade.
A afirmação não tem sido fácil, pois que a famigerada globalização tem imposto modelos de comportamento, social, cultural e económico, que dificultam tudo aquilo que se afasta da padronização dominante.

Enquanto se assiste a um permanente incentivo à continuação do objectivo de dar continuidade à cerâmica tradicional, depara-se com dificuldades semelhantes às de qualquer outra actividade económica quando se necessita do apoio para essa continuidade. Nas relações comerciais com entidades públicas, com Bancos e com clientes é difícil fazer sobressair o carácter específico do trabalho de recuperação da cerâmica tradicional. Disto se tem ressentido a evolução neste dez anos, o que prognostica um futuro de continuado esforço.

É, todavia, grato contar com um conjunto de pessoas a quem essa globalização não retirou a sua capacidade própria de apreciação. E pode-se mesmo dizer que todos aqueles com quem é possível criar intimidade com os valores tradicionais ficam ganhos para nadar contra a corrente.


2 - Os Trabalhos Relevantes

O lançamento das diferentes linhas e colecções teve a seguinte evolução cronológica:
- 1989 - Ensaios de pastas, vidrados e cores.
Início da recolha museológica de formas e decorações

- 1990 - Lançamento da linha museológica
Início da produção.

- 1991 - Lançamento da linha de azulejaria

- 1992 - Lançamento da linha decorativa (modelo original)

- 1993 - Lançamento da peça comemorativa dos 450 anos da chegada dos portugueses ao Japão.
- Produção do pavimento e painéis para Bristol

- 1994 - Lançamento da linha utilitária (modelo Gabriela)

- 1995 - Lançamento da colecção “Brasões de Famílias Portuguesas do século XIV”
- Lançamento da colecção “Casa do Infante”

- 1996 - Lançamento da linha “Linguagem Gestual”
- Lançamento da linha de esculturas

- 1997 - Lançamento da colecção “Ateneu Comercial do Porto”

- 1998 - Lançamento da colecção “Portugal/98 - 500 Anos de Descobrimentos”

- 1999 - Lançamento da colecção “Reflexos do Tempo”


Todas estas colecções nasceram a partir de propósitos definidos, em que se destaca:

- Linha Museológica

Trata-se de afirmar a ligação clara à continuidade da cerâmica tradicional. As réplicas das peças produzidas nos séculos passados contêm os valores essenciais (Forma e decoração) das originais, introduzindo os novos valores que o conhecimento científico proporciona (pasta de porcelana, vidrados e pigmentos de côr mais refinados, utilização do ouro com qualidade). Não se procurou a cópia pela cópia, já que tal é condenável e técnicamente desprestigiante, nem a imitação grosseira que até os defeitos copia. Recuperaram-se os valores histórico-culturais, actualizando-os com os conhecimentos técnicos e artísticos que hoje dispomos.
O ressurgir da cerâmica tradicional tinha de ser feito “por cima”, isto é , a sua importância exige o melhor em todos os domínios e não qualquer coisa ao preço mais baixo possível.

- Linha de azulejaria

Também aqui se procurou recuperar a azulejaria como revestimento decorativo, com a mesma orientação da linha museológica. Ao produzirmos azulejos em pasta de porcelana, valoriza-se não só a resistência mecânica e térmica do material, fazendo com que resista completamente aos ambientes húmidos, de grande amplitude térmica e sujeitos a choques mecânicos, como, também, se valoriza a estética dos elementos decorativos, já que a luminosidade, profundidade e sentido atractivo são fortemente reforçados quando se utiliza a porcelana com pintura de grande fogo.

- Linha decorativa (modelo original)

Criada com o propósito de cobrir uma gama de produtos e um sector de mercado mais alargado.
Iniciou-se com a criação de 20 novas peças e 3 novas decorações (Douro, Aldoar e Grijó) a que se seguiu a decoração Gaia.
A decoração Douro, cujo nome vem do rio Douro, tem como motivo central a ponte de D.Maria I no Porto. A decoração Aldoar (nome de freguesia com focos rurais, no Porto), está ligada ao espigueiro do Soajo. A decoração Grijó (nome da freguesia de V.N.Gaia onde se encontra o Mosteiro de Grijó) apoia-se na temática religiosa das alminhas.
A decoração Gaia centra-se no Mosteiro da Serra do Pilar em V.N.Gaia. Nesta decoração as cores azul e verde simbolizam a ligação da cidade ao rio e ao mar. As fitas aerodinâmicas simbolizam o dinamismo da cidade onde estão sediadas as caves do vinho do Porto. O ouro simboliza a modernidade da maior parte da cidade.

- Peça comemorativa da chegada dos portugueses ao Japão

Tendo-se comemorado em 1993 os 450 anos da chegada dos portugueses ao Japão, a Kirin Culture Club, entidade cultural ligada ao maior grupo cervejeiro japonês, decidiu editar uma caneca comemorativa que contivesse os valores da cerâmica tradicional portuguesa. Depois de mais de um ano de estudo, que envolveu o envio da vários livros de cerâmica portuguesa para o Japão, que foram traduzidos e estudados pelos historiadores que fazem a assessoria do grupo, com visitas dos responsáveis japoneses a Portugal e da Cerâmica do Douro ao Japão, acertaram-se todos os pormenores da caneca e da sua edição em série limitada de 450 peças. Esta peça foi qualificada como a representante da “Colecção Mediterrâneo” das edições efectuadas pelo clube, e foi totalmente subscrita no 1º mailing.
De notar que a inscrição existente no medalhão foi uma curiosidade observada pelos historiadores japoneses, que constataram que os portugueses foram os primeiros ceramistas a utilizarem os medalhões das peças para transmitirem mensagens que não o simples nome do proprietário. Por exemplo, “Haja Saúde”, “Não Há Fiados”, “Venha em Paz Quem Vier Por Bem”, etc... . A mensagem era encomendada pelo cliente e por isso a Kirin Culture Club quis uma mensagem alusiva ao produto comercializado pela Kirin, a cerveja. A mensagem foi:

SAÚDE
COM CE
RVEJA

A separação da palavra cerveja tem, propositadamente, um erro, já que os historiadores japoneses repararam que foram comuns, no passado, erros semelhantes, pois que sendo analfabetos muitos artesãos, estes separavam as palavras quando acabava o espaço sem preocupação de rigor de escrita.

- Linha utilitária (Modelo Gabriela)

Dentro do espírito de manter o propósito de dar continuidade à cerâmica tradicional, obrigatório seria criar uma linha que correspondesse às necessidades utilitárias deste final de século, já que no passado a cerâmica era, essencialmente, utilitária. Neste sentido, as peças e decorações tinham de ser concebidas para os requisitos mais exigentes, nomeadamente, predestinadas para a utilização em fornos tradicionais e micro-ondas, resistentes às máquinas de lavar e ao congelador, com uma estética e apresentação para servir à mesa e de grande resistência mecânica.
Partindo destes pressupostos, a designer e escultora Gabriela Couto concebeu uma linha completa, cujo modelo recebeu o seu nome.
Inicialmente criada com a decoração Porto, viu alargada a sua gama decorativa com as decorações Safira, Esmeralda , Ouro e Criança.

- Pavimento-painel para Bristol

Com o objectivo de corporizar fisicamente a geminação das cidades Porto e Bristol, entendeu a Bristol-Oporto Association , em colaboração com a Câmara de Bristol ( Bristol City Council), proceder ao estudo dum trabalho que aplicado em Castle Park em Bristol (grande jardim em Bristol objecto de recuperação no início dos anos 90), recordasse a todos os passantes a geminação das cidades do Porto e Bristol. Para tal procedeu a um concurso, aberto a todos os artistas do Porto e Bristol, com a condição de se o concurso fosse ganho por um artista do Porto teriam de ser entidades do Porto a apoiar a produção do trabalho e se fosse ganho por um artista de Bristol seriam entidades de Bristol a patrociná-lo. A sua execução seria feita na Cerâmica do Douro. Foi fácil em Bristol arranjar quem apoiasse mas nas entidades do Porto a resposta foi quase nula. Só uma entidade apareceu disponível mas colocou como condição, para o seu apoio, o poder indicar o artista a conceber o trabalho. Claro que esta condição não foi aceite e o concurso só teve artistas de Bristol. Os trabalhos estiveram expostos nas Caves Taylor em V.N.Gaia, tendo-se deslocado, expressamente de Bristol, dois artistas, dois membros para o júri (Os outros dois foram do Porto – Fundação de Serralves e Câmara Municipal do Porto), e dirigentes da Bristol-Oporto Association de que se destaca Mamarduke Alderson, grande amigo e entusiasta das coisas do Porto.
O júri escolheu o trabalho de Vic Moreton, que tendo estudado a história das duas cidades encontrou três aspectos principais comuns: O terem sido grandes portos de chegada de barcos da pesca do bacalhau; o terem ligações ao rio e ao mar e o manterem uma tradição forte de afirmação perante as capitais dos respectivos países (Lisboa e Londres). O trabalho mostra um pavimento pintalgado simbolizando as águas do mar e do rio, com fósseis de bacalhau dispostos desordenadamente e um painel com a frase : “Sòmente os peixes mortos se deixam arrastar pela corrente”.
O trabalho demorou quatro meses a produzir e foi inaugurado em Bristol, em 15 de Maio de 1993, com pompa e circunstância, pelas entidades de Bristol atrás referidas e por uma numerosa representação do Porto.

- Colecção “Casa do Infante”

Por sugestão do Sr. Dr. Manuel Real, director do Arquivo Histórico do Porto (Casa do Infante), sediado na casa onde nasceu o Infante D.Henrique e onde até finais do século passado funcionou a Alfândega do Porto, procedeu-se à produção de réplicas de algumas peças, reconstituidas a partir de fragmentos recolhidos nas escavações arqueológicas, a decorrer desde há alguns anos naquele espaço. Este trabalho constituído por 8 peças, iniciou-se com um tinteiro de mesa de 6 canetas, cujo levantamento foi maioritáriamente executado pela Engª Cidália Martins como estagiária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

- Colecção “Brasões de Famílias Portuguesas do século XIV”

Sob a direcção do Dr. Gonçalves Guimarães, director da Casa da Cultura da Câmara Municipal de V.N.Gaia, instalada no Solar dos Condes de Resende em Canelas, iniciou-se a edição dos brasões de famílias portugueses cujos nomes, ainda hoje em uso, remontam, pelo menos, ao século XIV .
Do estudo feito pensa-se que só 66 nomes dos hoje usados remontam a tal época. Todos os restantes são de nascença posterior e alguns dos usados na época foram desaparecendo com o tempo.
O documento base para este estudo foi o “Livro das Campaínhas do Mosteiro de Grijó”.
Os primeiros seis nomes produzidos (Aires, Castro, Correia, Pereira, Ribeiro e Silva) foram já lançados , em estojo de madeira de carvalho e com acessórios de prata.

- Linha “Linguagem Gestual”

Apoiada nos modelos da linha Original, a decoração Gestual é uma criação que vem introduzir uma linguagem moderna e de grande nível artístico, inovando completamente a estética habitual nas decorações cerâmicas, quer ao nível das peças decorativas, quer na azulejaria.
Com esta proposta de vanguarda, o Prof. Escultor Laureano Riba Tua veio trazer para a cerâmica linguagens da sua expressão pictórica. Aliás, é de referir que todas as linhas e decorações até hoje desenvolvidas na Cerâmica do Douro passaram pela sua supervisão de mestre artístico e professor de Belas Artes.
Com esta linguagem gestual são produzidas as decorações azul e ouro, assim como a azulejaria em policromia.

- Linha de Esculturas

Visando, também, preencher um sector de mercado muito alargado, iniciou-se esta linha com um presépio inspirado em figuras andinas (Perú/Equador).
Esta colecção tem vindo a ser alargada de acordo com as oportunidades e as solicitações (Ex: escultura “Maternidade” produzida para angariação de fundos do Rotary Club do Porto-Oeste e máscara “EVA e o Mundo, produzida no âmbito das comemorações do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos).
Mais uma vez, o Prof. Laureano Riba Tua deixa nesta colecção a sua marca de valor.

- Colecção “Ateneu Comercial do Porto”

Esta colecção foi desenvolvida a partir da exposição que o Ateneu Comercial do Porto promoveu com as peças cerâmicas do seu espólio.
Constituída por cinco peças, é mais um conjunto de réplicas que transportam para os dias de hoje os valores de forma e decoração dos séculos passados, assim como trazem à memória peças cuja utilidade óbvia nesse passado se encontra ultrapassada no tempo presente (Ex: Boiões de Farmácia ).

- Colecção “Portugal/98 - 500 Anos de Descobrimentos”

Inserindo-se nas comemorações dos 500 anos da descoberta do caminho marítimo para a Índia, desenvolveram-se 12 temas, em 26 peças, representativos dessa façanha.
Os temas figurativos são retratados de forma conhecida (Infante; Vasco da Gama e o seu brasão; Iluminura de D.Manuel I; Padrão dos Descobrimentos; Moeda Manuelina; Caravela Portuguesa; Janela do Convento de Cristo; Nau Portuguesa). Os outros temas (Tágide; Neptuno e Adamastor) são “visões” do artista criador (Prof. Laureano Riba Tua).

- Colecção “Reflexos do tempo”

Ainda em preparação, nesta altura da redacção deste livro, vai constituir um relance do passado com pinceladas do presente. Os temas serão réplicas dalguns já utilizados e que contêm uma representatividade da natureza expressiva da cerâmica tradicional.
Será completada com a colecção a ser lançada no próximo ano, inserida no Porto-Capital Europeia da Cultura em 2001.


CAPÍTULO IV - A CERÂMICA DO DOURO VISTA DE FORA

Ao longo destes 10 anos muitas foram as referências feitas pelos vários orgãos de comunicação social (TV, rádio e imprensa), assim como várias entidades se interessaram pelo trabalho que tem vindo a ser desenvolvido.

As cópias, em anexo, de textos publicados na imprensa são apontamentos escolhidos dum manancial com várias dezenas de páginas.

Por outro lado, algumas instituições e finalistas universitários têm realizado trabalhos, exposições e estágios com base na iniciativa de recuperação da cerâmica tradicional, sendo de destacar:

- NET - Novas Empresas e Tecnologias SA
- Quaternaire SA
- Engº Bessa Mendes - Universidade Fernando Pessoa
- Engª Cidália Rodrigues - Instituto Politécnico de Viana do Castelo
- Engª Idalina Machado - Instituto Politécnico de Viana do Castelo
- ICEP - Exposições em Washington; Zurique; Florença; Joanesburgo; Rio de Janeiro; Tóquio;
Dubai.


Das referências feitas nestes trabalhos apontam-se alguns exemplos.

Relatório do estágio do Engº Bessa Mendes:

...“Perceber a natureza da Cerâmica do Douro passa principalmente pela compreensão da mensagem que irradia da forma e decoração das peças que ali se produzem. Por aí se aprende uma definição para a expressão “Cerâmica Tradicional” e que, por essa definição, a vida dos povos se prolonga muito para além da morte e se funde com as inquietações dos vivos, comunicando, na linguagem plástica da forma e decoração, as sínteses do sentimento e do saber de milénios e para milénios.
A missão da Cerâmica do Douro é dar continuidade à cerâmica tradicional.
Aprende o visitante que o negócio da cerâmica tradicional não se esgota nem se comprime no compromisso das dimensões: tecnologia, necessidade e cliente e que as acepções estreita e larga se apoucam perante a magnitude esmagadora da criação e perpetuação da dignidade humana.
O aluno do marketing hesita entre o que aprendeu na Universidade sobre o conteúdo da missão e o que sente ali onde sentimentos nascem e não comenta esperando, pela forma, dizer o que, confessa, não saber escrever.
Do processo de criação se pode dizer que tudo começa com a ideia mais assente no ser que mitigada no ter de ser e a partir do instante que ela é, ela caminha pelos seus próprios passos guiando o escultor, o historiador, o artista, por museus, por livros, colecções particulares, por igrejas e conventos, por escavações arqueológicas, reconstruindo fragmentos que hão-de dar lugar a estudos, esboços, desenhos, modelos, formas, decorações e finalmente um novo fôlego de vida se desprende numa luz só que vem da peça acabada de nascer.” ....


Relatório do estágio da Engª Cidália Rodrigues

...“A fábrica Cerâmica do Douro , para a realização de todas as suas peças, obedece a determinados critérios nacionais e sectoriais de desenvolvimento tais como: utilização e formação de recursos humanos qualificados; fabricação de um produto não existente no mercado; divulgação da cultura portuguesa e imagem de marca nacional; fabricação de um produto de alta qualidade usando para isso a porcelana; utilização de tecnologia avançada como fornos revestidos a fibra cerâmica de baixo consumo energético e introdução de refractários de SiC recristalizado, tendo em vista a economia de energia e a qualidade do produto; decoração totalmente pintada à mão; produção de séries limitadas e numeradas; respeito pelas exigências de defesa do consumidor (não libertação de contaminações metálicas e grande resistência ao ataque químico e mecânico nas utilizações quotidianas).”



Estudo da NET - Novas Empresas e Tecnologias:

....” O posicionamento que tem sido seguido pela Cerâmica do Douro assenta na alta qualidade ao preço correcto, e não na baixa qualidade a baixo preço.
Este posicionamento que se considera adequado, baseia-se no facto de que os produtos de alta qualidade são sempre vendáveis, desde que estejam de acordo com os gostos e preferências dos públicos-alvo.
Uma vez que esta linha condutora se baseia num pressuposto correcto, são necessários esforços acrescidos no sentido de identificar o “target específico” e meios para o atingir.
Um outro factor decisivo, consiste no facto de que os projectos de alta qualidade nunca são projectos de curto prazo, mas sempre de longo prazo - período de adopção dos produtos relativamente longo.”


A N E X O S


CRONOLOGIA DAS PEÇAS COM A DECORAÇÃO “PAGODE”


Peças de oferta não comercializadas



- 1990 - Caneca (leiteira)
- 1991 - Azulejo
- 1992 - Jarra nº 3
- 1993 - Púcaro nº 4
- 1994 - Cinzeiro redondo nº 2
- 1995 - Prato de sobremesa
- 1996 - Cinzeiro quadrado
- 1997 - Jarrinha bojuda
- 1998 - Travessa pequena
- 1999 - Covilhete nº 2





REFERÊNCIAS TÉCNICAS



- Pasta : Porcelana, ref. PC189B(80189), da KPCL
- Desfloculante: 86900
- Densidade: 1,71
- Viscosidade (cm3/s): 2,1 cm3/s

- Vidrado: EP 140T(983140) da KPCL
- Desfloculante: KPCL
- Densidade: 1,41
- Viscosidade (cm3/s): 2,9 cm3/s

- Ouro: Degussa GG10010

- Platina: Degussa GP 350

- Pigmentos: Degussa (várias referências)

- Fornos : Fornocerâmica, intermitentes, de vagona, a gás propano, forrados a fibra cerâmica.

- Resistência ao choque térmico:
- Chapa eléctrica................................. Sem danos até à secura total
- Superfície fria ................................... 260ºC
- Superfície húmida fria...................... 300ºC
- Imersão em água fria ...................... 270ºC
- Enchimento com água fria .............. 260ºC



Abril de 1999

Cerâmica do Douro - Uma imagem emblemática de V.N.Gaia

CERÂMICA DO DOURO - Uma imagem emblemática de V.N.Gaia

Há já um consenso muito alargado de que o nosso património histórico e cultural é um dos factores com maior potencial de desenvolvimento num futuro próximo, pelo que importa definir estratégias e entidades com as quais de devem criar as bases de sustentação para a implementação duma política de divulgação e de fomento de iniciativas, visando melhorar os nossos indicadores sócio-económicos e assumindo a ruptura com a imagem de indigência e atraso cultural com que, muitas vezes, somos conotados.
A Cerâmica do Douro, com o seu perfil de fábrica-atelier, constituída para dar continuidade à cerâmica tradicional, tem vindo a participar na construção de uma imagem emblemática de V.N.Gaia, tendo em conta os alicerces em que se vem construindo. O tempo já decorrido desde a criação desta fábrica-atelier (1989) comprova a justeza do objectivo enunciado, quer pelos trabalhos relevantes já produzidos, quer pelo potencial criado de que a comunidade passou a dispor para garantir a continuidade duma actividade com raízes profundas na sua história e tradições.
Necessário é, contudo, enquadrar o tipo de produtos que devem ser símbolos duma actividade que se pretenda relevar, com a consequente relação qualidade/preço, na actual conjuntura mundial e da necessária evolução de Portugal enquanto país da União Europeia, pelo que a opção que tem vindo a ser seguida por esta fábrica-atelier é a de que um produto emblemático e com carga histórica e cultural, como é o caso da cerâmica tradicional da região Porto-Gaia, tem de ter a melhor qualidade possível e ser produzido com recursos humanos de elevada formação.
A não ser assim, estaríamos a lesar um património herdado de grande significado e não conseguiríamos impor uma imagem condizente com tais pergaminhos. Em palavras chãs, estaríamos a perpetuar o artesão pobre, sujo, roto e analfabeto, sem formação histórica e artística, que produz peças baratinhas com recurso a materiais e processos de menor qualidade.
Não é, certamente, este o caminho a seguir para quem quer estar no espaço da União Europeia, até porque na economia globalizada em que nos encontramos não há hipótese de competirmos em produtos de gama baixa e de mercado alargado, se quisermos ombrear com a qualidade média de vida da comunidade europeia.
Obviamente, haverá sempre um espaço para estes produtos menos qualificados, mas não deve ser esta a escolha para quem tem a obrigação de defender os valores mais altos que identificam a região.
Dentro deste objectivo temos vindo a desenvolver, em conjunto com a Câmara Municipal de V.N.Gaia, uma estratégia, que passa pela deslocalização das nossas instalações para a zona histórica de V.N.Gaia, contribuindo para a revitalização deste espaço (assumido como objectivo prioritário pelos responsáveis autárquicos do nossos município) e beneficiando da sua excelente localização que possibilita um contacto alargado com um público que se situa na faixa-alvo para este tipo de produtos, além de que dispondo de instalações concebidas para visitas turísticas que percorram o circuito fabril, criar-se-á uma imagem de prestígio e valorização, inéditas em Portugal mas com créditos já confirmados noutros países (Ex: Delft na Holanda). Aliás, decorre actualmente, um projecto, com fundos comunitários, a ser dinamizado pelo CENCAL, que tem por tema “Rotas de Cerâmica”- Indústria Cerâmica - Turismo Industrial, Científico e Cultural. Uma das bases deste projecto é a de que “... o turismo industrial cria um posto de trabalho por cada 8.000 visitas a uma empresa além duma série de efeitos directos e indirectos. Em países como a Alemanha, EUA e Japão mais de 60% das empresas proporcionam e organizam visitas para o público em geral”.
Indicadores recentes mostram que 30% do comércio externo e 5,5% do P.I.B. da U.E. estão ligados ao turismo cultural, o qual representa já 6% do emprego deste espaço comunitário.
Em recente publicação sobre a cerâmica, o Museu Nacional de Soares dos Reis refere:
Moderna na concepção e apetrechamento, mas mantendo-se na linha das peças tradicionais, a Cerâmica do Douro é hoje a única verdadeira fábrica de louça na área da cerâmica portuense”.

Cerâmica do Douro - As raízes histórico-culturais

CERÂMICA DO DOURO - As raízes histórico-culturais

Perde-se na origem dos tempos o primeiro contacto entre o Homem e aquilo que hoje se designa por “Cerâmica”.

A própria definição do que é um produto cerâmico (tudo o que resulta da transformação irreversível de matérias-primas naturais por acção do calor) evidencia, desde logo, que os elementos necessários à obtenção duma peça de cerâmica, como sejam os minerais e o fogo, coexistem com o Homem desde o seu aparecimento à face da Terra. Não é por acaso que em qualquer escavação arqueológica aparecem sempre fragmentos de peças cerâmicas, independentemente da época dos achados.

Começaram por ser simples barros, tais quais se encontram na Natureza. O conhecimento das propriedades diferenciadas dos diversos barros fez evoluir o suporte matérico para uma mistura de barros, possibilitando a obtenção de peças com uma maior variedade de formas e de sentido estético. Nos séculos mais recentes, o conhecimento cientifico possibilitou um salto enorme na qualidade dos pro­dutos cerâmicos, já que da mistura de barros se saltou para a faiança, para o grés e para a porcelana. A par da evolução das formas foi-se, também, aprimorando o aspecto cromático. Aquilo que na Antiguidade eram desenhos simples, possibilitados pelo conhecimento técnico escasso, tornou-se hoje no principal elemento influenciador quando se aprecia uma peça cerâmica: a decoração. Constituídos, essencialmente, por óxidos metálicos, existentes nos minerais, as tintas e corantes, de que dispomos neste final do século XX, possibilitam já a obtenção de quase todo o espectro cromatológico, dando a uma peça cerâmica a beleza resultante da fusão dos seus dois elementos consti­tuintes: forma e decoração.

Aquilo que no passado tinha uma função exclusivamente utilitária tem hoje um espaço que cobre praticamente todas as activi­dades humanas.

Em Portugal, a tradição cerâmica encontra-se profundamente enraizada no passado. Os seus valores culturais, nas sua formas e decorações, encontram-se expressos nas peças produzidas nomeadamente nos séculos XVIII e XIX. Certo é que se tem assistido a um esbatimento da noção dessa importância, pelo que se exige o reavivar na memória colectiva dum património cuja preservação importa cultivar. Não o reavivar pela simples cópia, mas sim com o respeito pelos valores essenciais acrescidos dos novos valo­res que a todo o momento se vão impondo. A cultura não é só museológica, mas sim passado e presente.

A região Porto - Gaia foi, até meados deste século, tradicionalmente rica em cerâmica doméstica e decorativa, tendo sido o rio Douro um importante apoio ao seu desenvolvimento.

Bastará lembrar as fábricas de Massarelos, Miragaia, Cavaquinho, Santo António de Vale da Piedade, Devezas, etc......, que desde o século XVIII mantiveram lugar destacado e cimeiro na cerâmica decorativa portuguesa.

Infelizmente, nenhuma destas unidades fabris sobreviveu, deixando em risco de extinção uma actividade de características culturais bem marcantes e enraizadas nas tradições e história desta região. A sua relevância mereceu a atenção de muitos estudiosos, de que o trabalho de Pedro Vitorino “Cerâmica Portuense”, publicado em 1930, merece particular destaque. Infelizmente, depois de 1930, raros são os trabalhos sistemáticos sobre a cerâmica desta região, sendo, todavia, de destacar algumas contribuições particulares que têm sido publicadas e que serão de grande utilidade para o estudo exaustivo deste sector de actividade.

No entanto, a grande expressão, deixada sob diversos valores, permite dar continuidade a esta tradição, já que os valores estéticos subjacentes ao sector da cerâmica doméstica e decorativa (forma e decoração) são bem claros naquilo que se pode chamar valores identificativos: formas simples e funcionais decoradas com motivos expressivos que coabitam com grandes espaços nus.

Importa, agora, reavivar na memória colectiva a noção da importância da cerâmica no contexto da região e do País. É que ainda há cem anos este sector de actividade, com mais de vinte fábricas de média e grande dimensão, representava a região como a mais importante do país.

Em cem anos, não só se perdeu a noção da importância deste sector de actividade, com as suas características de marcado cunho histórico-cultural, a que artistas tão bem conhecidos como Teixeira Lopes e Soares dos Reis deram uma profunda colaboração, como se esbateu e quase desapareceu a continuidade duma tradição, mesmo na componente humana indispensável á sua continuação.

A iniciativa agora existente, corporizada na “Cerâmica do Douro”, contem valores necessários ao reavivar das tradições cerâmicas da região.

O cuidado na fidelidade à continuidade, pelo que pressupõe de actualização, tendo em conta os novos conhecimentos tecnológicos e a consideração dos valores culturais como dinâmicos, garante que, se a comunidade assumir as responsabilidades de apoio e acarinhamento, poderemos voltar a contar com uma riqueza de que a região se orgulha.

A Cerâmica do Douro na cerâmica tradicional

A CERÂMICA TRADICIONAL NOS REFLEXOS DO TEMPO


Tem-se vindo a assistir, como de uma fatalidade se tratasse, a um baixar de braços, ou a uma despreocupação involuntária negligente, perante o definhamento das actividades tradicionais, que se encontram em processo adiantado de agonia, tendo alguns dos seus membros já mesmo falecido.
Esta referência às actividades tradicionais é no sentido de preservação e continuidade dum legado histórico, com profundo conteúdo cultural e, obrigatoriamente, com a mais elevada qualidade possível. Logo, não estão incluídas actividades desenvolvidas ao abrigo do chapéu do artesanato tradicional mas que são a perpetuação do artesão “pobre, sujo, roto e analfabeto”, ou o pretenso Kitsch, ou cópia mal feita, que parasita, de forma oportunista, o que de nobre há no conceito de actividades tradicionais.
A agonia das actividades tradicionais recebe um forte contributo do crescente economicismo vigente no modelo político, económico, social e cultural, em que o factor preço se sobrepõe a critérios históricos, culturais e tradicionais, como, também, pela inexistência dum sentir forte de defesa de valores que não os de um utilitarismo falsamente barato.
As tentativas de fazerem singrar na comunidade actividades que são os “Reflexos do Tempo” e que constituem um legado que temos de respeitar e valorizar, estão condicionadas pela sensibilidade dessa mesma comunidade a valores profundos que a identificam, assim como ao carácter efémero ou perene desse sentimento.
A afirmação das actividades tradicionais vem a encontrar dificuldades acrescidas, pois a famigerada globalização tem imposto modelos de comportamento social, cultural e económico, que dificultam tudo aquilo que se afasta da padronização dominante. Sofia de Melo Breyner Andresen alerta-nos que “ A civilização em que estamos é tão errada que nela o pensamento se desligou da mão”.
Importa, pois, que assumamos a responsabilidade de manter vivo, valorizando-o, o legado que nos foi deixado, respeitando o esforço dos nossos antepassados. A melhor homenagem que lhes podemos fazer é não deixar perecer aquilo que tão carinhosamente construíram.
Vila Nova de Gaia foi o berço da cerâmica tradicional portuguesa, tendo Teixeira Lopes e Soares dos Reis dado um contributo relevante para tal. Ainda há cem anos, mais de duas dezenas de importantes fábricas davam à cerâmica tradicional um lugar de destaque na vida da região e do país.

Importa que o futuro próximo passe pelo aumento de sensibilidade para com os valores culturais, históricos e tradicionais. As globalizações da economia e da sociedade não podem assentar sobre o caixão dos valores identificativos dos povos. A vivência das comunidades deve preservar as sua raízes, não se impondo nem esmagando os valores das outras comunidades. Deve ser estimulada a permuta mas nunca o derrube ou a aniquilação.
O cuidado que ainda existe na fidelidade à continuidade das tradições cerâmicas, pelo que pressupõe de actualização, tendo em conta os novos conhecimentos tecnológicos e a consideração dos valores culturais como dinâmicos, garante que se a comunidade assumir as responsabilidades de apoio e acarinhamento, poderemos voltar a contar com uma riqueza de que a região se orgulha. A afirmação dos valores afectivos tem de vencer a enganosa sedução do mais barato, do incaracterístico, do que não presta.
Que não se apague da memória colectiva a necessidade de preservação da cerâmica tradicional e de todas as actividades tradicionais cujos valores identificativos o justifiquem. A morte destas referências é , também, a morte de referências que são parte da nossa vida.
Sigamos o que Alexandre O’Neil expressou no seu poema de grande profundidade:
E defendo-me da morte
Povoando de novos sonhos
A vida.

domingo, 13 de abril de 2008

Conferência sobre a situação prisional em Portugal

A Voz de Ermesinde
Arquivo: Edição de 30-01-2008
SECÇÃO: Cultura
Um debate da situação prisional em Portugal Este foi o tema de uma conferência debate que o Centro Cultural Alberto Taborda levou a efeito na noite de 18 de Janeiro de 2008, no auditório da Escola Secundária de Ermesinde e que contou com a presença do Presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos, Manuel Hipólito Almeida dos Santos, como principal orador.O início da palestra começou, tal como estava agendado, cerca das 21,30 horas, com a presença de um número razoável de associados do Cecat, de alunos e de professores do turno nocturno da Escola.A Presidente da Direcção do Centro Cultural Alberto Taborda, Olga Trabulo, deu as boas vindas aos presentes e apresentou o conferencista, Manuel Hipólito Almeida dos Santos – presidente da OVAR (Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos), que conhece bem o sistema prisional português, é o administrador do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto e também tem estado ligado à DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor.Através dum “PowerPoint” bem concebido, o orador fez a radiografia do sistema prisional português, apresentando uma série de dados que ajudam a perceber melhor a real situação das prisões e dos prisioneiros portugueses.Antes, porém, contextualizou o caso português comparando-o com outros países da Europa e do Mundo e, pelas suas palavras, concluímos que um dos países com maior índice de prisioneiros é os Estados Unidos da América, onde os jovens negros, entre os 25 e 29 anos, ocupam 10% do ranking, ao passo que os jovens brancos da mesma idade, representam apenas 1,4%. Esta constatação, só por si, já dá que pensar. Os países com menor índice de prisioneiros são os países escandinavos e a Índia e o Nepal, com cerca de 70 presos por cada 100 mil habitantes, para o primeiro grupo de países, e de 30 presos por 100 mil habitantes para os últimos dois países. A estes números estão associados, sem dúvida, determinados valores sociais e religiosos que ainda configuram um comportamento pouco desviante das normas. Efectivamente, como Almeida dos Santos várias vezes reforçou, ao longo da sua comunicação, «nenhum sistema prisional pode ser separado da realidade social que o envolve», citando Vetere, director do Centro Internacional de Prevenção do Crime, da ONU.Portugal, ao contrário da vizinha Espanha (que também tem condicionalismos diferentes), tem vindo a diminuir, desde 2002, o n.º da sua população prisional, mais por efeito da alteração legislativa do que propriamente pela diminuição da criminalidade. Actualmente, o nosso país tem cerca de 120 presos por cada 100 mil habitantes.Em 2007, estavam nas prisões portuguesas, que se encontram sobrelotadas (a taxa de ocupação das prisões portuguesas é de 103,5%), 11 488 presos, sendo 10 700 homens e 788 mulheres. Destes, 22% são estrangeiros.A maior parte das penas são superiores a 3 anos (80%) e 20% dos detidos têm idades compreendidas entre os 16 e os 24 anos. A maior parte dos crimes são contra o património (roubos), contra as pessoas (agressões e mortes) e de narcotráfico. E, segundo dizem as estatísticas, metade das vítimas de violência não formalizam queixas na polícia.As 52 prisões portuguesas dão emprego a cerca de 6 100 funcionários (dos quais 4 500 são guardas prisionais, o que dá uma média de um funcionário por cada dois reclusos). Mas o somatório de todos os agentes, forças de segurança e funcionários da Justiça atinge os 200 mil.Outros dados preocupantes relacionados com o nosso sistema prisional que foram divulgados por Almeida dos Santos referem que 50% dos filhos dos presos também vão parar à prisão e que 100 crianças moram com as mães na prisão, por vezes em situações muito precárias.Todos estes dados foram o mote para um debate largamente participado que fez prolongar esta sessão até muito perto da meia-noite. As principais conclusões a tirar é que o sistema prisional português não funciona nada bem, a reinserção dos reclusos é quase impossível nos estabelecimentos prisionais portugueses e a sociedade é, no fundo, a grande responsável pela criminalidade existente.E tendo Portugal cerca de 200 mil desempregados de longa duração, sem qualquer tipo de subsídio, não se consegue vislumbrar uma “luz ao fundo do túnel” que nos dê esperança da situação se poder alterar positivamente.Ficou do debate a certeza de que é a sociedade, com as suas limitações e segregacionismo, que “gera a delinquência” e que num mundo onde há miséria “há potencialmente maior criminalidade”.
Por: Manuel Augusto Dias
© 2005 A Voz de Ermesinde

terça-feira, 8 de abril de 2008

Demoliram a Estação das Devesas!

DEMOLIRAM A ESTAÇÃO DAS DEVESAS !



Estou estupefacto! Ao passar na passada 5ª Feira, dia 27 de Março, pela estação de comboio das Devesas dei pela falta do edifício frontal. Terramoto? Atentado? Ou simplesmente demolição pela acção dos homens? Infelizmente, foi esta última opção que se verificou.

O edifício central da estação de comboios das Devesas foi demolido para obras de remodelação.
E para remodelar tem de se demolir o existente, ainda que depois se tente copiar a traça original nalguns apontamentos? Os arquitectos, os engenheiros e os ditos responsáveis pelo património não sabem remodelar integrando o existente? E a memória colectiva? E o respeito pelo trabalho dos nossos antepassados? E a exigência de honrarmos o legado que recebemos? Que entidades da Cultura e do Património foram ouvidas neste caso? E para que servem as aulas de preservação do património e de valorização do construído, ministradas nos cursos superiores de Gestão do Património se as acções de ignorância arrepiante nos agridem permanentemente?

Gostava de conhecer as respostas a estas perguntas.

Começa a fazer cada vez menos sentido participar na construção dum modelo de sociedade em que as agressões aos pilares básicos da ética e da cidadania são cada vez mais frequentes.

A demolição da estação das Devesas é mais um exemplo.



V.N.Gaia, 30 de Março de 2008

Eu sou da Amnistia Internacional. É Desonra?

E U S O U D A A M N I S T I A I N T E R N A C I O N A L .

É DESONRA ?

Estou pasmado! A menos que a citação referida no “Público” de 18/12 não corresponda à verdade (e o “Público” não costuma mentir), atribuída a lorde Browne-Wilkinson, de que “... consideramos que lorde Hoffmann, que não divulgou antecipadamente as suas ligações à Amnistia, estava impedido de participar neste processo”, é urgente clarificar a opinião pública sobre se estamos na presença de uma organização sinistra e tendenciosa, cujos membros estão impedidos de participar em certas funções públicas, nomeadamente tribunais. Ou então é lorde Browne-Wilkinson que tem de ser esclarecido sobre o que é a Amnistia Internacional.

E o que é a Amnistia Internacional?

É uma organização independente de qualquer ideologia governamental, orientação política ou credo religioso. Não apoia nem se opõe a qualquer sistema governamental ou político, nem apoia ou se opõe às opiniões das vítimas, cujos direitos procura proteger.
Trabalha na base da Declaração Universal dos Direitos Humanos e das Convenções, Pactos e Tratados de Direitos Humanos.
Logo, a Amnistia Internacional centra o seu trabalho nos referenciais de direitos humanos aprovados pelos governos.

Sendo assim, importa questionar se é motivo de suspeição trabalhar a favor de ideais aceites pela comunidade internacional. Será que os diplomatas que trabalharam na redacção desses instrumentos também são suspeitos? Será que todos aqueles que ainda recentemente se congratularam com as comemorações do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos são suspeitos?

Então quem são os isentos? Os que defendem e praticam a tortura, a censura , os “desaparecimentos” e as execuções extra-judiciais? Ou aqueles que vêm estas questões como coisas que lhes não dizem respeito até serem por elas atingidos? (E nessas alturas são os que mais se indignam por estarem a ser desrespeitados. No entanto, até esse momento, mantiveram um distanciamento de conveniência).


Sobre o comprometimento com os direitos humanos universalmente reconhecidos é bom que haja uma clara “separação das águas”. E os suspeitos têm de ser aqueles que olham o seu semelhante sem lhe reconhecer a dignidade que para si reclamam.

Não podem ser os Pinochet’s a julgar quem viola os direitos humanos, Quem autorizou a tortura, a censura, a limitação das liberdades, as violações por cães amestrados, os “desaparecimentos” e as execuções extra-judiciais, não pode acusar de suspeição aqueles que não defendem estes atropelos brutais à dignidade das pessoas e que militam para que nunca mais tal se verifique.

A não ser assim, é importante saber quem são os juízes e outros responsáveis da Administração Pública que, em todo o Mundo, são membros da Amnistia Internacional impedindo-os de continuarem nos cargos. E olhem que são muitos milhares.

Eu sou membro da Amnistia Internacional. É desonra?


(Carta publicada no jornal “Público” em 20/12/99, sobre o caso Pinochet)

10º Aniversário da Cerâmica do Douro

10º Aniversário da Cerâmica do Douro

Amigos

Permitam V.Exªs que os trate desta forma, mas a razão que hoje nos une aqui coloca-nos em pé de igualdade. As mesas em que estamos sentados devem ser consideradas uma só mesa, pois os que aqui estamos somos aqueles a quem a aniversariante Cerâmica do Douro mais deve a sua razão de ser. Durante estes dez anos, a nossa intervenção foi de tal forma decisiva, que se pode dizer que sem o contributo de cada um de nós a Cerâmica do Douro estaria diminuída ou nem sequer existiria. Não se trata de um exagero e penso que todos, intimamente, sentimos que demos algo de muito importante de nós para esta criança que agora comemora o seu décimo aniversário. O acto de progenitura é sempre um acto de amor, belo, terno, afectivo e corresponde ao anseio que acompanha todos os seres vivos: dar vida, dar continuidade à nossa imagem e semelhança, deixar algo de nós aos vindouros, continuarmos vivos depois de mortos.

Na Cerâmica do Douro já existe algo de cada um de nós, e é justo que sintamos orgulho de ter contribuído para o enriquecimento da comunidade, dos seus valores culturais, das suas gentes e dos seus ofícios. Por estas razões, peço desculpa por não fazer qualquer referência individual a algum dos presentes, que seria certamente justa, devida e protocolarmente indicada, mas que me levaria a ter de cometer injustiças involuntárias, já que os méritos dos presentes não poderão ser expressos sómente em palavras de circunstância e os limites de tempo não permitem exaltar os elevados atributos de V.Exªs..
Por isso peço que nos sintamos aqui em espírito de fraternidade e que sejamos todos simplesmente, mas profundamente, amigos. Amigos no sentido elevado e exemplificado por uma grande mulher deste século, a que foi 1ª ministro de Israel Golda Meir, ao descobrir o rosto do seu futuro marido, na altura um delicado pintor de tabuletas que lia autores que não os da moda, que ouvia música clássica e que a levava a concertos e conferências. Dizia Golda Meir: ” Ele não é muito bonito mas tem uma bela alma”. Sejamos, então, amigos na beleza da alma que dedicamos ao apoio à cerâmica tradicional e aos seus valores culturais subjacentes.




Poderá parecer exagerado o ênfase dado a esta efeméride, relativo a uma entidade que não é mais que um atelier, de dimensão microscópica no universo que nos rodeia. Mas há que ter em conta o objectivo que norteia a sua actividade: dar continuidade à cerâmica tradicional da região Porto-Gaia. E a dimensão do património histórico-cultural que herdamos obriga a que lhe seja dada a devida relevância.
Neste sentido, pena é que não haja possibilidade de se ir mais além, já que a cerâmica foi, nos séculos XVIII e XIX, um sector de actividade de grande importância económica, social, cultural e artística. Não podemos maltratar esse legado, e é por isso que todos os que aqui estamos devemos sentirmo-nos orgulhosos do nosso contributo mas, também, e permitam-me esta ousadia, responsáveis conscientes desse contributo e da necessidade dum reforçado empenhamento na defesa dos valores herdados dos nossos antepassados.
A vida tem de conter afectividade, emoção, sentimento. Aquilo que nos é deixado por herança deve ser valorizado e não esquecido, pois essa é a melhor forma de reconhecermos e respeitarmos o esforço desses nossos antepassados.

Já o nosso grande poeta Luís de Camões dizia sobre o respeito devido pelos feitos dos antepassados:


“ Dos ilustres antigos que deixaram
Tal nome que igualou fama à memória
Ficou por luz do tempo a larga história
Dos feitos em que mais se assinalaram”


Esta assumpção pela colectividade de respeito e valorização do legado histórico, libertar-nos-à da amargura que também sentiu o poeta perante a insensibilidade de quem ele tanto exaltou:


“Foi-se gastando a esperança;
Fui entendendo os enganos:
Do mal ficaram meus danos,
E do bem só a lembrança.”


Amigos:

Como são os dez primeiros anos duma criança? Será preciso dizê-lo? Desde o acto da concepção, ao parto, à alimentação especial nos primeiros tempos de vida, ao aprender a falar, a vestir-se , a iniciar-se a andar sem ajudas, a saber comportar-se como adulto.
Pois, foi isto por que passou a Cerâmica do Douro.


E a evolução na vida desta criança tem-nos afectado a todos.
Fornecedores, financiadores e clientes têm cooperado na medida do possível.




Os colaboradores (que sabem que os sinto e quero como irmãos e irmãs) têm dado o seu valor, entusiasmo e generosidade além do que é justo, tendo o dom de transformarem em alegria e prazer os sacrifícios que lhes são pedidos, sabendo eu que as condições de trabalho estão longe dum mínimo aceitável . Os amigos vão tendo a compreensão das irregularidades da nossa companhia, aceitando-me sempre, mesmo nunca sabendo se podem contar comigo para as nossas agradáveis tertúlias e convivências, ajudando-me e apoiando-me. A família tem pago uma grande factura e cumprido uma pena imerecida, mas tenho sentido que jamais deixarão de estar comigo. Só a neta e o neto é que deverão dizer bem do avô, pois no pouco tempo que está com eles lá lhes vai ensinando as traquinices que desgostam aos pais. Mas o avô é teimoso e depois de lhes ter ensinado a tocar bombo, ferrinhos e pandeireta, vai ensinar-lhes a dar uso às fisgas e aos piões que lhes ofereceu.

Óbviamente, que estas e muitas outras situações me constrangem e me impelem a que, aproveitando esta oportunidade, me penitencie perante todos.

Em jeito de balanço destes dez anos, devo confessar que ele está muito aquém do que pensava quando me lancei nesta aventura. E a prova está no facto de ainda se manterem muitas debilidades estruturais, de que a exiguidade das instalações fabris são um exemplo. A dinâmica social está a afastar-se gradualmente dos valores afectivos, corroída e influenciada pela onda do ter pelo ter, do ter mais que o vizinho, do ter muito, do individualismo e do egoísmo, que não conduzem aquilo que todos desejam: a felicidade.

Na consciência desta dinâmica, procuramos na Cerâmica do Douro os outros valores, ligados à fraternidade, à solidariedade, à ajuda mútua, à tolerância e ao espírito de sacrifício. É esta filosofia humanista que permitiu, também, chegarmos aqui. Temos tido aborrecimentos, dissabores, contratempos, tristezas e alegrias, mas sabemos, e é reconfortante dizer isto, que se algum dia precisarmos uns dos outros saberemos que podemos contar. Fornecedores, clientes, trabalhadores, amigos, todos os que aqui estamos, podem contar que irei até onde me deixarem. Não é uma promessa, é um compromisso. O trabalho que for necessário fazer far-se-à. Não é a dor do esforço que pesa. Outras faltas pesam muito mais. Já Pedro Homem de Melo dizia no seu poema “Libertação”:

Pesa-me, inteira
A flor que falta
Para a roseira
Ficar mais alta.
Pesa-me a Lua!
E a noite vem,
De espada nua,
Buscar alguém...
Pesa-me a neve.
Ou a montanha?
Dizem que é leve...
Mas é tamanha!
Chumbo ou veludo.
Seja o que for!
Pesa-me tudo
Menos a dor.

Concordo consigo saudoso Prof. Pedro Homem de Melo: Não é a dor que pesa. O que pesa é o que provoca a dor.

Ao introduzir aqui esta componente emotiva, afirmo a minha opinião de que as emoções não se medem pela importância das pessoas ou pela maior ou menor dimensão pública daquilo que as provoca. Para quem as vive elas podem ser igualmente intensas quando partilhadas com muitas pessoas ou quando vividas isoladamente. O que importa é o sentido humano que damos aquilo em que participamos. Tenho visto e sentido emoções profundas em pessoas das mais simples dos simples, que tocam intensamente pelo seu carácter autêntico e sincero.

Então, encontra-se a justificação para a relevância desta comemoração, É que estes dez anos têm sido ricos e prenhes de emoções. Nem sempre boas, nem sempre agradáveis, mas, também, com o gosto de sentirmos que superamos as dificuldades e vermos confirmado o ditado de que “ Os amigos são para as ocasiões”. E tenho tido amigos. E muitos deles estão hoje aqui comigo.


O futuro? O futuro é sempre uma incógnita.

Neste caso concreto, o futuro, principalmente o futuro próximo, tem de passar pelo aumento da sensibilidade para os valores culturais, históricos e tradicionais. As globalizações da economia e da sociedade não podem assentar sobre o caixão dos valores identificativos dos povos. A vivência das comunidades deve preservar as suas raízes, não se impondo nem esmagando os valores das outras comunidades. Deve ser reforçada a tolerância, a abertura à permuta, mas nunca o derrube e a aniquilação.

Podem contar com a Cerâmica do Douro como contributo para a continuidade da cerâmica tradicional. Assim ela consiga receber o incentivo que lhe permita viver.

Pela minha parte continuarei a dar o melhor que posso e sei, apesar de no Outono da vida já não se esperarem grandes sementeiras. Já há algum tempo escrevi sobre isto. E permitam-me que recite a parte final desse poema, começado por “O tempo corre veloz como o vento”:


“...............................
A primavera é passada
O verão já vivi
Apagam-se ilusões no outono da vida”


E é neste Outono em que me situo que vejo a Primavera nascer na recuperação de cerâmica tradicional. Com esta juventude da Cerâmica do Douro, permitam-me um desejo: Deixem-nos chegar a adultos. Quando tivermos de morrer que seja de velhice, não de causa evitável às mãos dos homens.




Meus amigos

Temos de continuar a apreciar, a cultivar e, sobretudo, a ver, o que merece sê-lo. Não devemos ficar ofuscados pelo império do tem que ser. John Keats, escritor inglês, disse um dia, amargurado, que a análise óptica descoberta por Newton tinha destruído a poesia do arco-íris. Não estou de acordo. O arco-íris continua a ser bonito mesmo conhecendo o seu fenómeno físico. O que é preciso é que nós olhemos com ternura para o arco-íris.

O pequeno livro que hoje foi lançado “Cerâmica do Douro e a sua história – Reflexos do tempo”, tem, na sua modéstia, apenas a pretensão de mostrar o potencial de beleza que podemos encontrar em alguns valores tradicionais, de que a cerâmica é um exemplo. Tal como para o arco-íris, olhemo-la com poesia e ternura.

Meus amigos

Agradeço-lhes o calor da vossa presença aqui. A generosidade que tiveram em honrar-me nesta comemoração deixa-me sensibilizado.

Deixem-me confessar que o partilharem esta alegria comigo me dá um gosto enorme.
É que, perdoem-me a imodéstia, sinto que valeram a pena estes dez anos. Que me sinto contente e satisfeito parece não haver dúvidas. Mas devo-o a todos os presentes e o contributo que me deram e estão a dar, tenho-o em grande apreço.

A todos V.Exªs. o meu muito obrigado e a minha disponibilidade para os servir sempre que acharem que possa ser útil.

(Intervenção na sessão comemorativa do 10º aniversário da “Cerâmica do Douro”- Novembro/1999)

Homenagem ao Engº Francisco de Almeida e Sousa

Homenagem ao Engº Francisco de Almeida e Sousa

É com grande alegria, enorme respeito e muita emoção que cumpro esta tarefa rotária de apresentar o grande cidadão que hoje nos dá o privilégio de estar connosco, cidadão este que dá pelo nome de Engº Francisco de Almeida e Sousa.

Saiba V.Exª, Sr. Engº, que os que aqui estamos somos só uma amostra de quantos gostariam de cá estar o que só razões de operacionalidade não permitiram.

Há já muitos anos que as colunas do Jornal de Notícias me deram a conhecer V.Exª, Sr. Engº. E sei que, como eu, muitos outros o conhecem, já que a sua dedicação às causas justas ultrapassou os limites dos círculos pequenos. O respeito e a admiração pela sua personalidade não têm medida e, acreditem todos os presentes , o seu exemplo tem influenciado a minha própria postura na vida. A sua coluna semanal, desde há muitos anos, no Jornal de Notícias, dá-nos o retracto daquilo que todos devíamos ser e não conseguimos, mas que V.Exª. consegue, e é.

Meus caros amigos:

A relevância que hoje aqui damos a este insigne cidadão tem de merecer da nossa parte uma reflexão profunda. O que fazemos no Mundo? Que valores devem nortear a nossa fugaz passagem por esta vida terrena? Que medida temos para os princípios, aceites por todas as religiões e filosofias, de solidariedade, fraternidade, compreensão e paz? Que prática fazemos dos nossos ideais rotários de justiça, verdade, boa vontade e de bem que nos aponta a prova quádrupla?

O Sr. Engº Almeida e Sousa tem-nos dado estas respostas não só com a teoria, nos seus artigos do JN, mas com a sua prática, quer seja no Barredo ou no Lar N. Sra. do Livramento, quer seja no combate político, na sua casa do Campo Alegre e em muitos outros lugares.

É que o Sr. Engº Almeida e Sousa além de profissional de grande relevo, cujos dados biográficos o JN há dias divulgou, a ele se devendo uma parte significativa do desenvolvimento industrial do Norte, nomeadamente no sector da fundição e nos aproveitamentos hidro-eléctricos (A própria Associação Industrial Portuense não seria o que é hoje se não fosse o seu empenho), tem dedicado a sua vida a responder, e de que maneira, a todas estas questões. Abre a porta da sua casa a qualquer hora do dia ou da noite seja a quem for (os mais humildes sabem disso e passam palavra), junta-se em fraternidade aos excluídos (Que o digam os companheiros de Emaús na sua ceia de Natal na estação de S.Bento?), recolhe os deserdados e deserdadas da vida nas instituições por ele patrocinadas ou noutras a quem vai pedir ajuda, arranja livros para as suas crianças de forma a que não seja por falta deles que não possam estudar.

Clama contra a desigualdade da gestão pública pelo poder político, não se cansando de mostrar os dados que provam que o Norte merece ser melhor tratado. Bateu-se contra o encerramento de parte da linha ferroviária do Douro e continua a dizer que esse erro tem de ser emendado, continuando-se a linha até Espanha. Foi pioneiro na defesa da navegabilidade do Douro. Continua a defender o incremento nas grandes infraestruturas do Norte, nomeadamente do porto de Leixões e do aeroporto de Pedras Rubras. Etc..., Etc..., Etc...
Poderia ficar aqui muito tempo a relatar o pouco que sei do muito que tem feito este nosso concidadão. Vou pedir-lhes que me deixem relatar-lhes dois exemplos. Um deles contou-o na palestra que fez no nosso clube em Setembro de 1997. O outro faz parte dos que eu conheço. Vamos ao primeiro.
No início dos anos oitenta foi o Sr. Engº Almeida e Sousa presidente da Assembleia Municipal do Porto. Um dia de Inverno à noite, saindo do Rivoli depois de uma sessão oficial , viu dois mendigos abrigados num portal da Rua Rodrigues Sampaio todos molhados e transidos de frio. Pensou o Engº Almeida e Sousa: Eu sou o presidente da Assembleia Municipal e como a Câmara está ali tão perto porque é que estes dois seres humanos não poderão estar lá abrigados? Não prejudicam nada pois todo o espaço está vazio a esta hora. Assim pensou e disse aos mendigos: venham comigo. Chegado à Câmara bateu à porta das traseiras e logo o porteiro reconhecendo-o lhe abriu a porta. Entra o Sr.Engº seguido pelos mendigos. Quando isto viu o porteiro logo expulsou todos não se importando que o Sr.Engº lhe dissesse que era o presidente da Assembleia Municipal e que tinha autoridade para entrar na Câmara com quem quisesse. Disse na reunião seguinte o Sr. Engº: Mas afinal o presidente da Assembleia Municipal que poder é que tem?
Pergunto eu: Qual de nós seria capaz de tais atitudes ?
O segundo exemplo: Noutro dia de inverno (o inverno agrava sempre tudo) às três horas da madrugada batem à porta da casa do Sr.Engº. Diz-lhe a esposa: Francisco não vás abrir que pode ser alguém com maus pensamentos. Resposta do Sr.Engº: Mulher, se alguém me bate à porta a esta hora é porque precisa de mim. E foi abrir. Era uma pobre mulher com a sua filha pequenina a pedir ajuda para o seu drama familiar. Ela sabia que às três horas da manhã o Sr. Engº lhe abriria a porta. Provávelmente a única porta da cidade aonde encontraria ajuda aquela hora.
Pergunto eu: Qual de nós estaria disponível para ajudar uma pobre desconhecida às três horas da manhã? A resposta a esta pergunta foi dada pela pobre mãe: só o Sr. Engº Almeida e Sousa.

Têm sido estas atitudes no campo social, político, profissional e económico, de desassombro, de verticalidade, de firmeza, de cabeça levantada, que fazem do Sr.Engº Almeida e Sousa um homem admirável mas, também, para quem exerce o poder , seja em que área for, um homem incómodo. E alguns responsáveis já mo têm dito, havendo quem gostasse que o Sr. Engº não entrasse nas áreas que lhes tocam. Mas ele entra porque tem uma integridade que não depende dos interesses em jogo. Aplica a prova quadrúpla em toda a extensão. É verdade? É justo? É ético? É benéfico ? Então vamos para a frente. Se incomodar que incomode. Enquanto não me demonstrarem que não tenho razão não me calam.


Afonso Botelho no seu livro “Origem e Actualidade do Civismo” reflecte: “...A política actual dos povos europeus perdeu as categorias de pensamento do saber político e a noção da cidade clássica. O civismo, que ainda se pratica em alguns países, tem sua origem nas virtudes e hábitos do povo, quantas vezes, contrariados pelo sistema de governo e, de um modo geral, sem apoio nem estímulo deste.(...) Está fora de toda a realidade supor que se obedece ao povo exclusivamente porque se cumpre a sua vontade manifestada no sufrágio.(...) não se restabelece o civismo sem conhecer as grandes verdades que um povo vai exprimindo, quer imediatamente, quer através dos seus maiores pensadores, poetas, filosófos, músicos e artistas que pertencem, e na primeira linha, a esse mesmo povo.”

O Sr. Engº Almeida e Sousa está nessa primeira linha de combate por uma elevada postura cívica.
É assim que procede o Sr.Engº Almeida e Sousa.

No Sábado passado, o jornalista Miguel Sousa Tavares escreveu, a respeito da atribuição do prémio Camões a sua mãe Sophia de Melo Breyner Andresen: “ A mim ela ensinou-me a olhar para as coisas e para as pessoas, ensinou-me a olhar para o tempo, para a noite, para as manhãs. Ensinou-me a abrir os olhos no mar, debaixo de água, para perceber a consistência das rochas, das algas, da areia, de cada gota de água. Ensinou-me a olhar longamente, eternamente, cada pedra da Piazza Navona em Roma, sentados num café, escutando o silêncio da passagem do tempo. Fez-me mergulhador e viajante, ensinou-me que só o olhar não mente e que todo o real é verdadeiro.”


Também V.Exª. Sr. Engº Almeida e Sousa nos tem ensinado a olhar. Não só a olhar para o real, que é verdadeiro. Mas a olhar, também, para os seus sonhos, que transformamos nos nossos sonhos. Em Junho do ano passado o Sr. Engº usou a sua coluna no JN para nos transmitir um grande sonho.

Ouçamos: (E passo a citar)

“Também a mim me perguntaram o que é que eu esperava de o Porto vir a ser, em 2001, Capital da Cultura. Quem mo perguntou não foram certamente os jornais, nem foi a televisão, que não tenho categoria para isso, foram os meus garotos. De "motu proprio" também não acredito que tivesse sido, mas levados pelo que terão lido nos jornais, ou visto na televisão. A pergunta até ma fizeram correcta: o que é que eu esperava?
A eles, por todas as razões, não nego resposta alguma, por difícil que possa ser. Muito menos as borilo ou escamoteio, que isso nem seria digno de mim nem eles mo aceitariam. É a verdade toda, tal como a penso. Para que eles se habituem a só aceitar a verdade. Por isso, aqui vai a minha verdade toda. Só que, vasta que teria que ser a resposta, já que grandes são os meus anseios, tive que a reduzir ao que me pareceu essencial. Disse-lhes que esperava muita coisa, muitas mais do que eles pensariam, mas que, de longe, o que mais me agradaria acontecesse, pois dependeria deles próprios. Porque o que mais quereria sem dúvida, mil vezes mais do que tudo o resto, é que a Cultura os impregnasse a eles e aos outros como eles, que fossem eles e os seus colegas os grandes beneficiários da Capital da Cultura que vem vir. Desculpem-me se não exponho aqui desígnios mais altos, mas esta é a minha verdade e o meu grande sonho.
Afinal o que quero, ou o que sonho? Que eles, depois do evento, fiquem a saber mais, apreciem mais o que é belo, escalonem melhor os valores da sua vida. Que gostem mais de saber, que tenham interesses, no limite, que tudo os interesse _ é o meu grande e maior sonho, se quiserem, a minha maior utopia. Mas, que querem?, não desisto de que
um dia venha a ser assim. Por que não quanto antes? Só por eles, acredito que não sejam capazes e nós devemos ter em conta que o não são. E não temos na nossa frente três anos para lho ensinar? Se o não conseguirmos, pois a responsabilidade não será deles, será nossa.
Que querem?, não quereria que, depois de 2001, nenhum deles me voltasse a dizer de cima do ombro: "Não gosto da escola! Não quero ir mais à escola! Quero ir mas é trabalhar!" Quererá? E isto com incidência sobretudo na 5.ª ou 6.ª classes, 11, 12 ou 13 anos, quando quase não sabem o que é a escola. E menos ainda sabem o que é saber.
Quanto a mim, desculpem-me opinião tão pessoal, é o grande desafio da nossa Cultura. Poderemos promover as manifestações mais assombrosas, grandes festas de Alta Cultura exigindo "smokings" e casacas, coisas maravilhosas de arte ou mesmo de ciência, tudo, poderemos embasbacar os mais altos estrangeiros que nos visitem, poderemos ir até ao fim seja no que for, que, se não conseguirmos que estes garotos, os portugueses de amanhã, tenham interesses, gostem de saber, apreciem o que é de apreciar, pois pobre Capital da Cultura que nunca passará de uma balofa estátua de Nabucodonosor, corpo belo e valioso, de ouro se for preciso, mas de pés de barro, sem consistência nem futuro, pronto tudo a cair por terra, ao pó que tudo esconde.
É um pouco isto que, bem contrariado, aqui queria vir dizer. Vamos gastar muito dinheiro com certeza, e não serei eu que o chorarei, mas as migalhas, meus senhores, as migalhas pois que sirvam para modificar a visão de futuro que poderemos dar já nem diria à maioria, mas a esta parte significativa dos portugueses. Como? Pois essencialmente pensando neles. Pequenos que são, pensemos neles.” (Acabei de citar)

Quem de nós, caros amigos, quer transformar em realidade este sonho do Engº Almeida e Sousa?
Aprendamos a transformar os sonhos em realidade como ele o faz.

Etienne de la Botie, poeta e filósofo francês do século XVI, refere no seu livro Discurso Sobre a Servidão Voluntária: Dignos de dó são aqueles que vivem com a canga no pescoço. Devem ser desculpados e perdoados, pois, nunca tendo visto sequer a sombra da liberdade e ninguém nunca lha tendo mostrado, não sabem como é mau serem escravos. Há países em que o sol aparece de modo diverso daquele a que estamos habituados: depois de brilhar durante seis meses seguidos, deixa-os ficar mergulhados na escuridão, nunca os visitando durante meio ano; se os que nasceram durante essa longa noite nunca tivessem ouvido falar do dia, seria de espantar que eles se habituassem à treva em que nasceram e nunca desejassem a luz?

Sigamos o exemplo do Sr. Engº Almeida e Sousa de mostrar a luz a quem, por força do destino, vive nas trevas.

Olhem para o Sr. Engº Almeida e Sousa. Vejam a sua grandeza, a sua verticalidade, a sua honradez, a sua fé e esperança em melhorar o mundo. Esta postura dá-lhe um grande crédito de felicidade.

É que, meus caros amigos, a felicidade existe quando gostamos dos outros e os outros gostam de nós. E no Sr. Engº Almeida e Sousa há um capital de amor inesgotável.

Costumo dizer que não há maior prazer do que o prazer de dar. E, também, digo que por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros. Aprendi isto com o exemplo do Sr. Engº Almeida e Sousa. Já uma vez tive ocasião de lhe manifestar a minha gratidão pessoalmente. E sabem como? Já lá vão quase dez anos e tinha iniciado o meu sonho profissional de dar continuidade à cerâmica tradicional de Porto-Gaia, criando a Cerâmica do Douro. Pois sabem a quem ofereci a primeira peça produzida, uma jarra conventual SPM (S.Pedro de Miragaia)? Pois ao Sr. Engº Almeida e Sousa: Fui à sua casa levá-la numa noite de Outono, há quase dez anos, em que o frio ia chegando mas em que era muito maior o calor do meu sentir de dar a quem o merece. Se outras razões não houvesse, esta exemplifica como me sinto honrado e contente por estar aqui neste momento .
Sr. Engº Almeida e Sousa:
Continue a incomodar-nos. Saiba que à segunda-feira no Jornal de Notícias tem muitas pessoas que querem aprender com o que nos ensina.
Eu sei que nos vai dizer a seguir que não faz nada de mais e que não merece aquilo que lhe estamos a fazer.
Não Sr. Engº. Nós é que não temos capacidade humana de poder dar-lhe tudo o que V.Exª e as suas obras merecem.
Assim nós consigamos ser dignos de seguir o exemplo que nos dá. Mas acredite que olhando para o Mundo e vendo o muito que V.Exª faz para o melhorar e o pouco que conseguimos fazer, sinto um aperto no coração. Um aperto de angústia e até de desilusão. Um aperto que lembra os compromissos que temos para com os nossos irmãos da Terra. Penso que posso dizer isto em nome de todos.

Continue a mostrar-nos os seus sonhos. Ensine-nos a sonhar. Pois como dizia António Gedeão.
“ Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
Entre as mãos de uma criança. “
Muito obrigado


(Intervenção na homenagem promovida pelos rotários do Porto ao Engº Almeida e Sousa – Porto – 17/06/99)

O Direito à Informação

O DIREITO À INFORMAÇÃO

Ao comemorarmos este dia 15 de Março, Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, em associação às comemorações do 25º aniversário da Deco, com a realização deste seminário “O Direito à Informação” estamos não só a cumprir uma tradição de neste dia conseguirmos atrair um pouco mais a sensibilidade da comunidade para as questões de defesa do consumidor, como, também, a relevar o tema do seminário, já que os aspectos ligados ao direito à informação assumem, cada vez mais, uma importância significativa no comportamento dos cidadãos enquanto consumidores.

A presença de Vossa Excelência Senhor Ministro, Engº José Sócrates, que muito nos honra, é para nós um indicador dessa importância. Sabemos que, plagiando uma frase já ouvida noutros eventos, temos “um amigo no Governo” e cremos que Vossa Excelência sabe o quanto temos apreciado medidas que tem tomado e que têm reforçado a protecção dos consumidores.

No memorando que apresentamos o mês passado, de suporte ao seminário internacional que decorreu em Lisboa, referimos já que “no momento actual da economia e da sociedade há sinais precursores de evoluções preocupantes, que poderão pôr gravosamente em causa os interesses dos consumidores, se não forem, entretanto, tomadas medidas para de algum modo minorar os efeitos do progressivo desequilíbrio das forças em presença no mercado. Nunca se puderam, em rigor, considerar equiparáveis as posições de força nos mercados de produtores e comerciantes face às dos consumidores, mesmo quando o tecido empresarial tinha uma clara predominância de pequenas e médias empresas. Hoje em dia, quando se reconhecem movimentos ambiciosos de concentração em curso nos mais diferentes sectores da actividade económica, quer em Portugal quer no estrangeiro, a desproporção de forças agrava-se e cria condições para cada vez maiores abusos do poder económico. É preciso, pois, que os Governos e os Parlamentos sejam pressionados a alargar a cobertura legal da protecção dos consumidores perante os abusos do poder económico, reconhecendo-lhes novos direitos ou novas facetas de direitos genéricos já consagrados, e também formas eficazes de os exercer.”

Estas preocupações, manifestadas no memorando referido, vão ser hoje, aqui, abordadas no aspecto específico do direito à informação. Direito este que não pode ser visto apenas na perspectiva da possibilidade do consumidor poder ser informado mas, mais do que isso, a obrigatoriedade da prestação da informação sem obediência a requisição prévia do consumidor, isto é, o consumidor deve poder dispor da informação necessária préviamente ao acto de consumo, assim como das implicações do uso, independentemente do tipo de bem.

No folheto que divulgamos para a realização deste seminário, dizemos que não parecemos capazes de mudar os comportamentos habituais, que se traduzem na violação de direitos humanos básicos em grande parte do mundo em desenvolvimento e, também, no interior do mundo desenvolvido, em crescentes índices de poluição e em destruição de ecosistemas inteiros, provàvelmente porque o tipo de informação a que temos acesso continua longe de corresponder à informação essencial à qual achamos que temos direito.

O estado a que chegamos resulta da insuficiente atenção que tem sido dada às implicações do desenvolvimento a todo o custo, parecendo que só o crescimento do PIB ou o cumprimento de critérios, de convergência ou outros, é que trarão o bem-estar dos cidadãos. E é vermos como alguns responsáveis por situações gravosas aparecem mais tarde como os arautos da desgraça, buscando uma impunidade e tentando branquear situações sacudindo as consequências. No ponto a que chegamos não se pode actuar com negligência ou cedendo às pressões da força, assim como se tem de responsabilizar quem de tal forma procede.

Senhor Ministro
Minhas senhoras e meus senhores

Neste dia 15 de Março, Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, e quando nos encontramos a comemorar o nosso 25º aniversário, queremos dizer que o nosso trabalho junto dos consumidores, quer nas escolas, nos gabinetes autárquicos, na comunicação social ou nos orgãos institucionais em que temos assento, irá continuar a priveligiar a sua sensibilização para a cidadania. Consumidores-cidadãos serão certamente bons consumidores ao contrário de consumidores fruto das estratégias de marketing.

A Vossa Excelência Senhor Ministro queremos exortar a aumentar o capital pelo trabalho que tem desenvolvido em favor dos consumidores.

A todos os presentes fica o apelo ao exercício consciente da sua vertente de consumidores .

Quando os sinais de insatisfação, de descrença e de preocupação atingem sectores alargados da população, com a agravante de se notar alguma impotência, por vezes até confessada, em quem detém o poder para alterar situações insustentáveis, importa reflectir sobre o presente, com a experiência do passado, para se melhorar o futuro.

Com este seminário queremos dar um contributo para essa reflexão.


(Intervenção no Seminário do Dia Mundial dos Consumidores – Porto – 15/03/99)